Jurisprudential misconception regarding civil liability in aesthetic plastic surgery
Fonte: Revista de Direito Médico e da Saúde – nº 27 – Anadem
Eduardo Dantas
Sumário: 1. Introdução. 2. Definições conceituais. 3. O posicionamento das doutrinas nacional e estrangeira. 4. O posicionamento dos tribunais. 5. Notas conclusivas.Referências bibliográficas.
Resumo: Dentre os persistentes equívocos jurisprudenciais relativos à percepção da atividade médica, um dos mais nocivos é o que desconsidera a aleatoriedade das intervenções cirúrgicas e a impossibilidade de garantir resultado, por mais simples ou indicado que seja o procedimento. O presente estudo tem por objetivo discutir a impossibilidade de considerar como de resultado a obrigação do cirurgião plástico que se propõe a realizar intervenções estéticas e as suas consequências no manejo da responsabilidade civil a ela associada, ressaltando a necessidade de modificar o entendimento, adequando-o à realidade médica e aos elementos cientificamente comprovados.
Palavras-chave: Cirurgia Plástica. Responsabilidade subjetiva. Dever de informar.
Abstract: Among the persistent jurisprudential mistakes regarding the perception of the medical activity, one of the most harmful is the one that disregards the randomness of surgical interventions and the impossibility of guaranteeing results, no matter how simple or indicated the procedure is. The present study aims to discuss the impossibility of considering as a result the plastic surgeon’s obligation to perform aesthetic interventions and its consequences in the management of civil liability associated with it, emphasizing the need to modify the understanding, adapting it to the medical reality and scientifically proven elements.
Keywords: Plastic surgery. Subjective responsibility. Duty to inform.
1. INTRODUÇÃO
A cirurgia plástica é uma especialidade médica que tem como objetivo restaurar ou melhorar a aparência e/ou a função de uma parte do corpo humano. Essa especialidade é composta por duas vertentes principais: a cirurgia plástica reconstrutiva e a cirurgia plástica estética. A cirurgia plástica reconstrutiva tem como objetivo reconstruir alguma parte do corpo que sofreu deformidades, defeitos congênitos, traumas ou lesões, como queimaduras e câncer de pele. Ela pode incluir procedimentos como a reconstrução de mamas, reparação de lábio leporino (fissura labiopalatina) e fenda palatina e reconstrução de partes do corpo após a retirada de tumores, entre outros. Já a cirurgia plástica estética é aquela que busca melhorar a aparência física do paciente, sem necessariamente ter uma finalidade médica ou funcional. Ela pode incluir procedimentos como a rinoplastia (cirurgia do nariz), a abdominoplastia (cirurgia da barriga), a lipoaspiração (remoção de gordura localizada), a mamoplastia de aumento (colocação de prótese mamária), entre outros.
Ambas as vertentes da cirurgia plástica exigem uma formação médica específica e um alto nível de habilidades técnica e artística por parte do cirurgião plástico. Além disso, é importante que o paciente esteja ciente dos riscos e dos benefícios de cada procedimento e que escolha um profissional qualificado e experiente para realizar a cirurgia.
No campo do Direito Médico, a cirurgia plástica assume lugar de destaque, uma vez que a incidência de processos versando sobre tal especialidade assume proporções desmedidas, sendo digna de nota a quantidade de cirurgiões plásticos que sofrem ou já sofreram questionamentos judiciais à sua prática profissional.
Não bastasse, o Brasil é um dos países onde mais se realizam procedimentos estéticos pela cirurgia plástica, sendo necessário estabelecer conceitos jurídicos – em nome da estabilidade e da segurança – que estejam em consonância com os aspectos técnicos dos procedimentos realizados, especialmente em se tratando de uma atividade que não se traduz em uma ciência exata, na qual múltiplos fatores influenciam em seu resultado.
O cirurgião plástico pode ser responsabilizado civilmente por diversas situações decorrentes de sua atuação profissional. Alguns dos principais motivos geradores de responsabilização civil para o cirurgião plástico incluem:
• Erros na realização da cirurgia: o cirurgião plástico pode ser responsabilizado caso cometa erros durante a realização da cirurgia, como a utilização inadequada de instrumentos cirúrgicos e a realização de cortes em locais errados, entre outros;
• falhas na obtenção do consentimento informado: antes de realizar uma cirurgia, o cirurgião plástico deve obter o consentimento informado do paciente, informando sobre os riscos e os benefícios do procedimento. Caso não seja obtido um consentimento adequado, o cirurgião plástico pode ser responsabilizado pelo incumprimento do dever de informar; e
• falta de habilidade técnica ou negligência: o cirurgião plástico deve possuir a habilidade técnica necessária para realizar a cirurgia, além de seguir os padrões de segurança e de higiene exigidos.
Todavia, estão a surgir demandas judiciais buscando indenização em virtude de motivos outros, que incluem (mas não se restringem a):
• Resultados insatisfatórios: a cirurgia plástica, especialmente a estética, tem como objetivo melhorar a aparência do paciente, e esse resultado é altamente subjetivo, muitas vezes se buscando uma inexistente responsabilização, uma vez que a percepção do paciente é obviamente prejudicada por eventuais transtornos dismórficos ou psicológicos que possua com relação a sua própria imagem; e
• complicações pós-operatórias: após a cirurgia, podem ocorrer complicações como infecções, sangramentos e rejeição de próteses, entre outros.
São hipóteses que, mesmo indesejadas, mostram-se presentes na literatura especializada e que fogem ao controle do esculápio, uma vez que independem de sua capacidade técnica, da diligência empregada e mesmo da utilização dos melhores e mais modernos centros cirúrgicos e equipamentos disponíveis.
Muito se discute na doutrina nacional, quando se trata da natureza jurídica da obrigação médica, sobre obrigação de meio e obrigação de resultado. É consenso que a atividade médica é considerada uma obrigação de meio, ou seja, que o exercício da medicina não promete cura, mas, sim, tratamento adequado, segundo as normas de prudência, de perícia e de diligência e o padrão de conduta ético e comprometido por parte do profissional em favor da melhora de seu paciente.
Isso ocorre porque a atividade médica, por definição, está sujeita ao acaso, ao imprevisível comportamento da fisiologia humana, que, por vezes, insiste em desafiar o senso comum, os prognósticos mais acurados e as expectativas mais prováveis. Enfim, além da resposta de cada organismo ser única (embora sejam esperados determinados padrões de resposta), ainda se encontra a intervenção médica sujeita ao acaso, ao infortúnio, à força maior. Por essas e mais outras tantas razões, a atividade médica não se sujeita a um comprometimento com o resultado, mas, sim, ao dever de diligência.
Todavia, temos visto a repetição – por vezes irrefletida – de que, dentre as exceções a essa regra, encontrar-se-ia a cirurgia plástica com finalidade estética – ou desprovida de finalidade terapêutica. Essa seria considerada uma obrigação de resultado, implicando comprometimento do cirurgião com o êxito satisfatório de sua intervenção.
Em princípio, “êxito satisfatório” pode parecer redundante. Não o é, todavia, neste caso, dado o alto grau de subjetividade envolvido na apreciação do resultado de uma cirurgia plástica estética não reparadora por parte do paciente. O que pode parecer belo e tecnicamente perfeito para uns, não o será necessariamente para outros.
Um dos elementos centrais aqui a serem discutidos, portanto, versa sobre o fato de a cirurgia plástica estética não reparadora ser uma obrigação de meio ou obrigação de resultado.
2. DEFINIÇÕES CONCEITUAIS
Apenas a título de definição conceitual, Maria Helena Diniz assim as distingue:
A obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga tão-somente a usar de prudência e diligência normais na prestação de certo serviço para atingir um resultado, sem, contudo, se vincular a obtê-lo. Infere-se daí que sua prestação não consiste num resultado certo e determinado a ser conseguido pelo obrigado, mas tão-somente numa atividade prudente e diligente deste em benefício do credor. Seu conteúdo é a própria atividade do devedor, ou seja, os meios tendentes a produzir o escopo almejado, de maneira que a inexecução da obrigação se caracteriza pela omissão do devedor em tomar certas precauções, sem se cogitar do resultado final.
Por certo que, em qualquer atividade médica, existe a necessidade – e o dever – de se agir com prudência, diligência, precaução e perícia. Tal fato se justifica, porque, em se tratando de uma obrigação de meio, na hipótese da superveniência de um resultado adverso, o que será analisado para a verificação da existência ou não de culpa, será a conduta do médico. A comprovação do dano deverá passar, necessariamente, pela verificação da prudência, da perícia e do comportamento profissional adotado durante todo o procedimento. O que o atual estágio da medicina – e todo o seu aparato tecnológico – não permite mais tolerar, seja por parte do médico, da clínica ou do hospital, são o descuido, o descaso, a negligência, a imperícia e a imprudência.
A negligência vem a ser a ausência do emprego de precauções adequadas para a prática de determinados atos ou da adoção de procedimentos, revelando desleixo, desatenção, indolência, enfim o desinteresse, o descaso e o descompromisso para com a atividade desempenhada. A imperícia consiste na incapacidade, na falta de conhecimentos técnicos ou de habilitação para o exercício de determinada atividade. Ou ainda, pode ser qualificada como o desempenho de uma atividade relativa a uma profissão desconhecida pelo praticante, revelando inaptidão genérica ou específica. No caso do exercício da medicina, esse requisito é tido por suprido pelo registro do diploma e pela inscrição no Conselho Regional de Medicina de sua área de atuação. Por fim, a imprudência se caracteriza pela inobservância do dever de cautela na adoção de certas práticas ou procedimentos. É o triunfo da falta de moderação, da insensatez e da precipitação sobre a experiência, o bom senso e o profissionalismo
É nossa opinião que, sob nenhum aspecto, a cirurgia plástica pode ou deve ser considerada obrigação de resultado. Essa é uma classificação muito difundida e repetida sem qualquer reflexão pelos menos avisados, que se limitam a fazer coro com entendimento que se mostra ultrapassado à luz da doutrina atual. A simples impossibilidade de pré-determinar o resultado de qualquer procedimento jurídico desautoriza essa distinção, afirma Hildegard Taggesell Giostri.
Tal equívoco permaneceu durante muito tempo presente na doutrina nacional, mas vem sendo corrigido ao longo dos últimos anos, por obra de doutrinadores, que se debruçaram sobre o Direito Médico, ramo novo e promissor do Direito.
Muito se fala em impor diferença de tratamento jurídico à chamada cirurgia plástica desprovida de finalidade terapêutica. Ocorre que esse termo, por si só, é equivocado. Há relativamente pouco tempo, era generalizado o conceito de que a cirurgia plástica de caráter meramente embelezador, sem finalidades terapêuticas, constituía-se como simples capricho do paciente, sendo, portanto, desnecessária.Todavia, impõe-se o reconhecimento de que a cirurgia plástica estética tem obrigação de meio e não de resultados.
Observe-se, pois, que a medicina é uma ciência que lida com seres humanos, cujos organismos são complexos e variados. Portanto, é impossível garantir um resultado preciso e idêntico em todas as cirurgias. Os resultados da cirurgia plástica dependem de fatores que estão fora do controle do cirurgião, como a genética, estilo de vida e histórico médico do paciente.
A obrigação de resultado coloca uma pressão excessiva sobre os cirurgiões plásticos, que podem ser responsabilizados por resultados insatisfatórios, mesmo quando fizeram tudo corretamente.
A obrigação de meio é mais justa para ambas as partes, pois reconhece que o cirurgião plástico se comprometeu a realizar a cirurgia com habilidade e cuidado, masque não pode garantir um resultado específico. É ainda a abordagem padrão em outras áreas da medicina, como a cirurgia cardíaca e a neurocirurgia, nas quais os resultados podem ser igualmente imprevisíveis.
A obrigação de meio incentiva o cirurgião plástico a ser honesto e transparente sobre o que é possível e o que não é possível realizar através da cirurgia. Não bastasse, encoraja a colaboração entre cirurgião e paciente na tomada de decisões sobre o tratamento e nas expectativas realistas. A obrigação de resultado pode resultar em uma onerosa judicialização, além de aumentar o preço dos procedimentos cirúrgicos.
A obrigação de meio permite que o paciente tenha um papel ativo no processo de recuperação e compreenda que sua adesão às instruções do cirurgião é fundamental para um resultado satisfatório. É, portanto, uma abordagem mais equilibrada e razoável para a cirurgia plástica de caráter estético, pois reconhece a complexidade da medicina e o papel do paciente na obtenção de um resultado bem-sucedido.
Com a evolução dos conceitos, considera-se atualmente a saúde não apenas como o bem-estar físico, mas também como a incolumidade psíquica e social, não havendo espaço para dúvidas sobre a finalidade curativa da cirurgia estética.
Nesse sentido, advogam Antonio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza:
Hodiernamente, esta questão de outrora se encontra pacificada, pois é dever da medicina zelar pela saúde física e mental dos pacientes. Nesta marcha, não se pode olvidar que mesmo alguém aparentemente perfeito, que se enquadre nos padrões normais de beleza, e que deseje realizar certa cirurgia para modificar, por exemplo, a mama, tornando-a menor, não esteja, em algum nível, sofrendo de um mal, ainda que em órbita mental. Resulta que esse mal vai desde a angústia e a sofreguidão, por achar-se com uma mama feia, até o profundo estado de depressão.
Portanto, não há de se raciocinar, em tempos atuais, que a cirurgia estética se consubstancia em intervenção desnecessária, em cirurgia de luxo, que não possui licitude. Ao contrário, é uma especialidade médica como outra qualquer, onde as obrigações do cirurgião são iguais às dos demais médicos de diferentes especialidades.
3. O POSICIONAMENTO DAS DOUTRINAS NACIONAL E ESTRANGEIRA
A respeito do tema, Miguel Kfouri Neto diz em sua obra Responsabilidade Civil do Médico:
Hodiernamente, não há dúvida que a cirurgia plástica integra-se normalmente ao universo do tratamento médico e não deve ser considerada uma ‘cirurgia de luxo’ ou mero capricho de quem a ela se submete. Dificilmente um paciente busca a cirurgia estética com absoluta leviandade e sem real necessidade, ao menos de ordem psíquica. Para ele, a solução dessa imperfeição física assume um significado relevante no âmbito de sua psique – daí se poder falar, ainda que em termos brandos, como afirma Avecone – de ‘Estado Patológico’.
Mais adiante, continua:
Em qualquer situação, também ao cirurgião plástico é possível demonstrar a interferência – no desencadeamento do resultado danoso – de fatores imprevisíveis e imponderáveis, devidos a aspectos subjacentes à saúde do paciente, que o médico não conhecia, nem podia conhecer, mesmo agindo com diligência e acuidade. Noutras palavras, seu objetivo frustrou-se pela superveniência de causas que ele não podia prever, nem evitar.
E, finalmente, às fls. 176/177 da mesma obra, conclui:
Em recente publicação, Luís O. Andorno expõe as seguintes reflexões: ‘Se bem que tenhamos participado durante algum tempo deste critério de ubicar a cirurgia plástica no campo das obrigações de resultado, um exame meditado e profundo da questão levou-nos à conclusão de que resulta mais adequado não fazer distinções a respeito, ubicando também a cirurgia estética no âmbito das obrigações de meios, isto é, no campo das obrigações gerais de prudência e diligência’.
Para o jurista platino, o comportamento da pele humana, de fundamental importância na cirurgia plástica, revela-se imprevisível em numerosos casos. Acrescenta que toda intervenção sobre o corpo humano é aleatória. Anota, por fim, que a doutrina e a jurisprudência francesas têm se orientado nesse sentido.
E arremata:
A nosso juízo, o cirurgião plástico não está obrigado a obter um resultado satisfatório para o cliente, mas somente a empregar todas as técnicas e meios adequados, conforme o estado atual da ciência, para o melhor resultado da intervenção solicitada pelo paciente.
Em brilhante trabalho posterior, denominado Culpa Médica e Ônus da Prova, o Des. Kfouri transcreve trechos do julgamento do Recurso Especial 81.101-PR, no qualse decidiu sobre recurso relativo à responsabilidade civil em cirurgia plástica estética. Ali, destaca trechos extremamente elucidativos do voto proferido pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito, aqui emprestados em virtude de sua relevância e clareza elucidativa:
Pela própria natureza do ato cirúrgico, cientificamente igual, pouco importando a subespecialidade, a relação entre o cirurgião e o paciente está subordinada a uma expectativa do melhor resultado possível, tal como em qualquer atuação terapêutica, muito embora haja possibilidade de bons ou não muito bons resultados, mesmo na ausência de imperícia, imprudência ou negligência, dependente de fatores alheios, assim, por exemplo, o próprio comportamento do paciente, a reação metabólica, ainda que cercado o ato cirúrgico de todas as cautelas possíveis, a saúde prévia do paciente, a sua vida pregressa, a sua atitude somatopsíquica em relação ao ato cirúrgico. Toda intervenção cirúrgica, qualquer que ela seja, pode apresentar resultados não esperados, mesmo na ausência de erro médico. E, ainda, há em certas técnicas conseqüências que podem ocorrer, independentemente da qualificação do profissional e da diligência, perícia e prudência com que realize o ato cirúrgico.
Anote-se, nesse passo, que a literatura médica, no âmbito da cirurgia plástica, indica, com claridade, que não é possível alcançar 100% de êxito.
(…)
A mesma Plastic and Reconstructive Surgery (vol. 95, junho de 1995, p. 1.195 a 1.204) publica os resultados de reconstrução mamária obtidos por dois cirurgiões em 111 pacientes, mostrando complicações importantes em cerca de 20% dos casos, observados ao longo de 18 meses.
No que se refere à plástica para redução do volume mamário (mamoplastia redutora), o Annals of Plastic Surgery (vol. 34, 1995, p. 113 a 116) divulga os resultados obtidos por dois cirurgiões, indicando melhora clínica satisfatória em não mais de 74%, 81% e 88% dos casos, conforme o critério escolhido.
Também no British Journal of Plastic Surgery (vol. 48, outubro de 1995, p. 451 a 454), foram analisadas 218 plásticas nasais (rinoplastia), observando-se não mais de 5% de complicações, mas cerca de um de cada dez pacientes necessitou de revisão cirúrgica do procedimento realizado pela mesma instituição, e um de cada cinco daqueles que haviam sido operados em outros centros.
J. Gérald Rheault, mostrando a realidade sob o regime legal do Canadá, que segue o sistema do Common Law, a exceção de Quebec, que herdou as tradições do Código Civil de Napoleão, destacou que a responsabilidade dos médicos está limitada a uma obrigação de meios, não de resultados, na medida em que os cirurgiões não estão obrigados a obter sempre bons resultados, mas estão sim obrigados a fornecer competente informação e tratamento aos pacientes. Assim, a responsabilidade do cirurgião depende da prova de ele não ter agido prudentemente e diligentemente como um profissional razoavelmente competente teria agido nas mesmas circunstâncias. E, em casos de cirurgia estética, esse princípio vem sendo desafiado até a Suprema Corte por algumas pessoas que gostariam de imputar ao cirurgião plástico uma responsabilidade de resultados e não de meios (‘Professional responsibility of physicians is limited to an obligation of means, not of results. We do not have an obligation of always obtaining good results, but must provide competent information and treatment to our patients. Briefly put, the existence of a fault on the physician’s part will be established if it can be proven that he did not act as prudently and diligently as a reasonable competent physician would have in the same circumstances. In cases of elective care such as in aesthetic surgery, this principle is being challenged all the way to the Supreme Court by some people who would like to hold us responsible not only for means, but of results’, The Canadian Journal of Plastic Surgery, 30, 1995, via internet).
(…)
Finalmente, nesse patamar, é bom não esquecer que não se pode presumir, como parece vem sendo admitido pela jurisprudência, que o cirurgião plástico tenha prometido maravilhas ou que não tenha prestado as informações devidas ao paciente, configurando o contrato de resultado certo e determinado. A só afirmação do paciente em uma inicial de ação indenizatória não é suficiente para acarretar a presunção de culpa do médico, invertendo-se o ônus da prova, como no presente caso. O paciente deve provar que tal ocorreu, que não recebeu informações competentes e amplas sobre a cirurgia.
Não bastasse tal fundamentação para afastar a cirurgia estética do campo das obrigações de resultado, o Código de Defesa do Consumidor estipulou, expressamente, no art. 14, § 4º, verbis:
§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação da culpa.
Ora, tal regra não separa o ato cirúrgico em obrigação de meio ou de resultado, não destaca a cirurgia estética, nem, tampouco, explicita que destina-se a incidir sobre a responsabilidade aquiliana, não sobre a responsabilidade contratual. Com todo respeito, a interpretação que situa a questão neste ângulo não tem lastro na lei, repetindo, apenas, a jurisprudência anterior ao Código que enxergava a dicotomia. E não poderia fazê-lo, sob pena de grave disparidade na própria lei que impõe ser a responsabilidade pessoal do profissional liberal apurada mediante a verificação da culpa.
(…)
A jurisprudência, todavia, insiste em dispensar à cirurgia estética tratamento draconiano: ou se atinge o resultado ‘embelezamento’ ou responde o médico pela frustração – mesmo que o cliente não melhore nem piore sua aparência inicial.
De qualquer modo, as soluções alvitradas são casuísticas e nada satisfatórias. Em regra, se o paciente sai da cirurgia em condições piores que as ostentadas anteriormente, o cirurgião é penalizado pelo insucesso.
Decisiva, sempre, há de ser a constatação de ter havido imperícia, imprudência ou negligência do profissional. Ao se admitir, pura e simplesmente, que o dever assumido pelo cirurgião plástico configura obrigação de resultado, não ocorre apenas presunção de culpa: nem mesmo se aceita prova que o médico eventualmente produza em seu favor. O resultado danoso firma a inarredável obrigação de indenizar.
Torna-se desinfluente a realização correta da cirurgia. Não tendo sido alcançado o resultado – melhoramento estético – firma-se a procedência da demanda indenizatória.
Insto equivale a afirmar que a cirurgia estética nunca sofre influência das condições pessoais do próprio paciente – insuscetíveis de avaliação prévia.
É antijurídico, por conseguinte, a pretexto de a cirurgia plástica estética ser classificada como obrigação de resultado, inverter-se o ônus da prova. Ao médico, em qualquer hipótese, aplica-se o regramento da responsabilidade subjetiva – incompatível com essa inversão.
Nesse sentido, Arnaldo Rizzardo discorre:
Pode-se incutir a ideia que se encaixa um misto de obrigação de resultado e de obrigação de meio na cirurgia plástica, ou mais precisamente, a responsabilidade em face da contratação, com forte carga objetiva. Inquestionável que uma melhora deve haver, com a mudança do aspecto ou do defeito anterior. No entanto, é normal admitir-se uma margem de tolerância, aceitando pequenas diferenças. Bem coloca o assunto Fabrício Zamprogna Matielo: … “Deixar de cumprir a obrigação de resultado é causar ao paciente um prejuízo perceptível de ordem física ou mesmo funcional(…)”.
Também a doutrina Argentina se manifesta sobre o tema, através das lições de Ricardo Rabinovich-Berkman, que vai além e levanta diversos outros questionamentos, tais como as condições mentais do paciente que, lúcido e capaz, submete-se à cirurgia plástica em busca de corrigir o que considera um defeito, uma característica que foge aos padrões do que considera beleza, tratando aquele “desvio estético” como verdadeira doença.
Continua, ainda, ressaltando questões, por vezes, esquecidas nos julgamentos, tais como a consciente e efetiva vontade do paciente em correr os riscos – absolutamente normais e conhecidos pelo ser humano médio – de uma intervenção cirúrgica, seja ela de qualquer espécie, manifestando expressamente essa sua vontade, em busca da realização de seu sonho de aperfeiçoamento estético.
Ignorar tais situações representa um grave desvio da realidade, incompatível com o devido processo legal, a busca da verdade e a justa análise dos procedimentos adotados. Diz, portanto, o prof. Rabinovich-Berkman:
Em suma, no creemos que existan motivos científicos para caracterizar de um modo genérico a las obligaciones de los cirujanos estéticos como de resultado, diferenciándolas así de las de los demás especialistas quirúrgicos. Estimamos, por el contrario, que la diversificación reside más en raíces inherentes a nuestra cultura judeocristiana, proclive a declamar (a menudo hipócritamente) un desprecio de la belleza física (esa “coquetería” de que hablaba el fallo antes transcripto), y a no considerar la fealdad como una forma de enfermedad.
(…)
Si la paciente se sometió a la operación plástica, es porque así lo quiso, en su evaluación de riesgos y de beneficios. Es decir, porque entendió que para volver a lucir un busto agradable (lo cual constituye un deseo más que respetable) valía la pena correr los peligros que toda intervención quirúrgica entraña. Presumir lo contrario importa considerar a la interesada una persona fatua, por no decir una tonta, sin que evidencia alguna indique que lo sea.
Também Ricardo Luis Lorenzetti afirma:
En el campo de la cirurgía pl’’astica el profesional médico no tiene plenas seguridades de éxito en la aplicación de su ciencia, técnicas y arte sobre quien requiere su actuación, ya que no todas las reacciones del organismo son abarcables y controlables por ella. En las operaciones plásticas no cabe entender que el facultativo se obliga a lograr el resultado buscado por él y su cliente sino, más bien, a ejecutar con diligencia lo que la ciencia, la técnica y el arte médicos indican como conducente para ello, según las circunstancias de las personas, del tiempo y del lugar.
Sin perjuicio de que el cumplimiento de las obligaciones asumidas por el galeno deberá valorarse com mayor rigor, se trata de una imputación subjetiva y de un compromiso de medios y o de resultado.
Não se pode ignorar que o paciente tem consciência dos riscos envolvidos em qualquer procedimento. Eximi-lo dessa responsabilidade em favor de uma falsa responsabilidade objetiva do médico – não prevista pela legislação, diga-se – é absolutamente contraproducente. O consentimento, a conduta e o comportamento do paciente são mais que atenuantes, excludentes de responsabilidade.
Rosana Jane Magrini, em substancioso artigo doutrinário, conclui:
O que se exige do médico, seja qual for sua especialidade, é a prestação de serviços zelosos, atentos, conscienciosos, a utilização de recursos e métodos adequados e de agir conforme as aquisições da ciência. O que não se pode admitir, sempre com a máxima vênia, é uma corrente jurisprudencial em desalinho com a realidade moderna dos avanços da ciência médica e da ciência jurídica.
Expõem, ainda, Antonio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza, em sua obra Instituições de Direito Médico, que:
Impor à cirurgia plástica estética a pecha de obrigação de resultado é, ao nosso ver, grande preconceito, existente em tempos longínquos, além de negar o próprio sistema biológico de cada ser humano que, por vezes, se mostra rebelde, seja numa simples cauterização de uma verruga ou numa cirurgia de mama para a colocação de uma prótese, com a finalidade de aumentá-la de tamanho.
Partir da idéia de que o cirurgião plástico já tem, intrinsecamente, em caso de alegação do paciente de mau resultado, culpa no suposto evento danoso (culpa presumida) é colocar sobre seus ombros um fardo muito pesado, totalmente desvirtuado da realidade e do bom-senso.
Finaliza Miguel Kfouri, em passagem de seu já referido livro Culpa Médica e Ônus da Prova, em definitiva opinião:
Em qualquer hipótese, não milita, em desfavor do cirurgião plástico, nessas intervenções embelezadoras, presunção de culpa, nem tampouco se aplicam os princípios da responsabilidade sem culpa.
Por fim, as novas tendências verificadas no âmbito da prova da culpa médica, em especial a atribuição dinâmica do encargo probatório, não mais justificam que apenas ao cirurgião plástico seja aplicado tratamento diferenciado, gravoso.
Todas as especialidades cirúrgicas submetem-se ao imprevisível – conseqüência natural, já examinada, das características individuais de cada pessoa.
Assim, a cirurgia plástica embelezadora há de enquadrar no figurino da verificação da culpa, a exemplo das demais especialidades médicas – arredando-se a aplicação extremada dos princípios da responsabilidade objetiva ao profissional liberal, que também se submete ao estatuto da culpa.
O que se pretende demonstrar é que, sob todos os aspectos, a cirurgia plástica é intervenção cirúrgica equiparável a todos os demais procedimentos cirúrgicos e que as reações do organismo humano são imprevisíveis e conseqüências indesejadas podem sobrevir, ainda que toda a técnica, os recursos disponíveis, a prudência e a perícia tenham sido empregados ao caso concreto, não se podendo, por sua vez, simplesmente culpar o médico pelo infortúnio por ele também não desejado.
Cada corpo humano, em sua individualidade, pode apresentar somatizações, hipersensibilidades e reações diversas verdadeiramente imprevisíveis. A evolução de quadros clínicos ou patológicos, diante da intervenção médica, não é sempre igual, não obedece sempre a uma fórmula preestabelecida. Em qualquer procedimento cirúrgico, conforme comprovado por incontáveis estudos médicos, o organismo pode reagir de forma inesperada, negativa ou adversa, comprometendo o resultado.
Na prática, ainda, há que se destacar que o sucesso da cirurgia plástica depende muito dos cuidados pós-operatórios tomados pelo próprio paciente, o que em parte também escapa do controle do médico.
A fisiologia humana é imprevisível e única para cada indivíduo, o que torna impossível garantir um resultado específico em cirurgias plásticas estéticas. Por mais habilidoso e cuidadoso que seja o cirurgião, ele não tem controle sobre as reações do organismo do paciente e outros fatores imprevisíveis que podem afetar o resultado da cirurgia.
A própria natureza da cirurgia plástica estética implica uma obrigação de meio, já que o objetivo principal é melhorar a aparência do paciente e não corrigir uma doença ou disfunção orgânica. A jurisprudência médica e a ética profissional reconhecem a cirurgia plástica estética como uma obrigação de meio, já que o resultado esperado depende de uma série de variáveis que escapam ao controle do cirurgião.
O entendimento majoritário da jurisprudência brasileira sobre a obrigação de resultado na cirurgia plástica estética é equivocado e não se alinha com os princípios da medicina e da ética profissional.
Reconhecer a obrigação de meio na cirurgia plástica estética é importante para proteger tanto o paciente quanto o médico. O paciente tem a garantia de que o cirurgião empregará a melhor técnica e o cuidado, mas sem prometer um resultado que não pode ser garantido. E o médico não é injustamente responsabilizado por um resultado imprevisível e incontrolável.
A obrigação de resultado pode levar a uma judicialização excessiva da relação médico-paciente e prejudicar o acesso à saúde. Se o cirurgião é obrigado a garantir um resultado específico em uma cirurgia estética, pode ser desestimulado a realizar a cirurgia em pacientes que apresentam riscos ou complicações. A obrigação de resultado na cirurgia plástica estética pode ser prejudicial ao paciente, pois pode incentivar o uso de técnicas mais agressivas e invasivas, que prometem resultados mais rápidos e dramáticos, mas que também apresentam maior risco de complicações e de danos ao paciente.
A cirurgia plástica estética envolve muitos fatores que estão fora do controle do cirurgião, como a genética, a idade, o estilo de vida do paciente e outros fatores ambientais e sociais. Portanto, é injusto e irrealista responsabilizar o cirurgião por um resultado que depende de tantos fatores alheios à sua vontade e controle. A obrigação de meio é uma abordagem mais justa e equilibrada para a relação médico-paciente na cirurgia plástica estética, pois reconhece que o sucesso da cirurgia depende tanto do esforço e da habilidade do cirurgião quanto da resposta do organismo do paciente.
4. O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS
Esse entendimento começa a ganhar corpo em nossos Tribunais, como bem demonstram as ponderações do Des. Carpena Amorim, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), ao proferir seu voto em já clássico julgado:
Não me parece, data venia, que se possa classificar uma cirurgia, e nesse plano as cirurgias plásticas se equiparam às de qualquer outra espécie, de obrigação de resultado, porque, como se sabe, quando se trata de mexer com fisiologia humana, além da técnica empregada pelo médico, havida no conhecimento específico, há sempre um outro componente que o homem, frágil e impotente diante do desconhecido, chama de imprevisível. (…) Nenhum homem seria capaz de afirmar que uma cirurgia tem 100% de possibilidade de êxito e 0% de insucesso. Sintetizando: não há cirurgia sem risco.
Nesse mesmo diapasão, observa-se a decisão proferida em acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas (TJAL), em caso extremamente similar, em lúcido voto do Des. Barreto Accioly:
Processo Inflamatório Crônico. EMENTA – Ação Ordinária de Indenização. Responsabilidade Civil. Erro Médico. A responsabilidade civil dos médicos por atos de seu ofício repousa na culpa. Assim, realizada a intervenção prescrita ao paciente, com a técnica adequada, não se pode atribuir à negligência, imprudência ou imperícia do cirurgião as conseqüências desfavoráveis, provenientes de um mal evolutivo, decorrente de um processo inflamatório crônico e inespecífico. Recurso Provido. TJ AL – Ap. Civ. 9038 – Capital. Rel. Des. B. Barreto Accioly. Recorrente: Joaquim Paulo Vieira Malta Neto. Recorrida Maria Rita Lyra de Almeida. Julg. 30/08/89.
Acórdão Publicado em Código do Consumidor Comentado, de Paulo Brasil Dill Soares, 5ª ed., Ed. Destaque, RJ, 1999, p. 275.
Em 25 de setembro de 2019, a 5ª Câmara Cível do TJRS assim decidiu:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. COLOCAÇÃO DE PRÓTESE DE SILICONE APÓS CIRURGIA BARIÁTRICA. LATERALIZAÇÃO DA MAMA. NATUREZA REPARADORA DO PROCEDIMENTO. AUSÊNCIA DE PROVA DA FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. HONORÁRIOS RECURSAIS.
I. A responsabilidade civil é a obrigação de reparar o dano causado a alguém. No que se refere à responsabilização civil do médico, tal como se dá em relação aos demais profissionais liberais, é necessária a análise subjetiva de sua conduta, não prescindindo da demonstração do agir culposo para sua caracterização. Inteligência do art. 14, § 4º, do CDC.
II. Ainda dentro do campo da subjetividade, é de salientar que a responsabilidade civil do médico, na ótica da natureza avençada com o paciente, comporta outra classificação, qual seja, “obrigação de meio”, que exige a prova da culpa para a sua caracterização, e “obrigação de resultado”, situação em que a culpa é presumida no caso de insucesso do procedimento. No caso concreto, a cirurgia em questão possui natureza reparatória, uma vez que realizada pós-cirurgia bariátrica, razão pela qual não é necessário analisar a responsabilidade da médica quanto ao objetivo estético.
III. No caso concreto, não restou evidenciada a ocorrência de falha na prestação do serviço, uma vez que, de acordo com o laudo pericial, embora efetivamente haja a lateralização maior de uma mama durante o decúbito dorsal, o resultado do procedimento foi bastante adequado para uma cirurgia reparadora mamária, devendo ser ressaltado que, como as próteses estão no plano submuscular, caso a autora praticasse exercícios e os músculos não estivessem débeis, provavelmente as próteses não rotariam. Ademais, a autora não trouxe qualquer argumento técnico ou outro laudo médico capaz de refutar as conclusões da perícia efetuada pelo Departamento Médico Judiciário, tendo apenas referido que houve violação ao dever de informação por parte da requerida, o que não ocorreu, tendo em vista que, segundo a ficha médica da demandante, a requerida orientou, após a segunda cirurgia, que a autora utilizasse sutiã e praticasse exercícios. Por sua vez, a prova testemunhal corrobora as conclusões exaradas pelo laudo pericial no sentido de não ter havido qualquer irregularidade ou falha no procedimento realizado.
IV. Nestas circunstâncias, a par da incidência do CDC, mas considerando a falta de verossimilhança das alegações da autora e que a mesma não comprovou os fatos constitutivos do seu direito, ônus que lhe incumbia, na forma do art. art. 373, I, do CPC, deve ser mantida a sentença de improcedência do feito.
V. De acordo com o art. 85, § 11, do CPC, ao julgar recurso, o Tribunal deve majorar os honorários fixados anteriormente ao advogado vencedor, observados os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
APELAÇÃO DESPROVIDA.
Dois julgados produzidos pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro são muito emblemáticos por trazerem a seguinte situação: ambos mencionam ser a obrigação do cirurgião plástico em procedimento estético uma obrigação de resultado. Mas, ao mesmo tempo, afastam a responsabilidade objetiva que daí adviria, em razão das particularidades dos procedimentos médicos, da singularidade da fisiologia de cada paciente e da impossibilidade de se garantir resultado. Ou seja, tem-se, como se vê, uma repetição de um entendimento falho, mesmo com as evidências demonstrando o contrário, produzindo um julgado que se adequa à realidade médica, mas que insiste em persistir no equívoco doutrinário ainda majoritário:
0062629-76.2009.8.19.0038 – APELAÇÃO. Des(a). MARIA ISABEL PAES GONÇALVES – Julgamento: 06/02/2019 – SEGUNDA CÂMARA CÍVEL. APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS, MATERIAIS E ESTÉTICOS. CIRURGIA PLÁSTICA. LIPOASPIRAÇÃOE IMPLANTES DE PRÓTESES DE SILICONE. ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO NO PROCEDIMENTO DE LIPOASPIRAÇÃO E PLÁSTICA MAMÁRIA, COM O SURGIMENTO DE LESÕES NA REGIÃO TORÁCICA E DEFORMIDADE NOS SEIOS DA AUTORA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO AUTORAL QUE NÃO MERECE ACOLHIDA. CIRURGIA ESTÉTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO QUE NÃO TORNA OBJETIVA A RESPONSABILIDADE DO CIRURGIÃO PLÁSTICO, MAS QUE TRANSFERE PARA O MÉDICO O ÔNUS DE DEMONSTRAR QUE OS EVENTOS DANOSOS DECORRERAM DE FATORES EXTERNOS E ALHEIOS À SUA ATUAÇÃO DURANTE A CIRURGIA. RESPONSABILIDADE CIVIL QUE CONTINUA SENDO SUBJETIVA, NOS TERMOS DO §4º, DO ARTIGO 14, DO CDC.PRECEDENTES DO STJ. PERÍCIA COMPROBATÓRIA DE QUE AS LESÕES NA REGIÃO TORÁCICA DA APELANTE SÃO ORIUNDAS DE QUELOIDES E NÃO DE ERRO MÉDICO. MARCAS PROVOCADAS PELO PRÓPRIO ORGANISMO DA PACIENTE E NÃO PELA TÉCNICA EMPREGADA NO PROCEDIMENTO DE LIPOASPIRAÇÃO. PROVA PERICIAL QUE AFASTA ATUAÇÃO IMPERITA OU NEGLIGENTE DO RECORRIDO NA FASE PRÉ-OPERATÓRIA, DURANTE A CIRURGIA DE LIPOASPIRAÇÃO E NO PÓS-OPERATÓRIO. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL QUE AFASTAM O DEVER DE INDENIZAR DIANTE DA SITUAÇÃO DE IMPREVISIBILIDADE DOS RESULTADOS DE CICATRIZAÇÃO E OUTROS FATORES GENÉTICOS, CONHECIDOS PELA RECORRENTE ANTES DA REALIZAÇÃO DA LIPOASPIRAÇÃO. RISCO ASSUMIDO PELA APELANTE. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO DO MÉDICO ACERCA DE COMPLICAÇÕES POSTERIORES À REALIZAÇÃO DO ATO CIRÚRGICO QUE É MATÉRIA ADUZIDA SOMENTE NA RÉPLICA, CARACTERIZANDO INOVAÇÃO QUE NÃO COMPORTA, POR CONSEGUINTE, APRECIAÇÃO, SOB PENA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA, DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. PROVA PERICIAL QUE TAMBÉM AFASTA ERRO MÉDICO NA PLÁSTICA MAMÁRIA. DESPROPORÇÃO DOS SEIOS DA AUTORA PRÉ-EXISTENTES À CIRURGIA. ADOÇÃO DE PROCEDIMENTO ADEQUADO ÀS CONDIÇÕES FÍSICAS DA APELANTE NA COLOCAÇÃO DAS PRÓTESES. AUSÊNCIA DE PROVA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INCIDÊNCIA DOS §§ 1º, 2º E 11 DO ARTIGO 85, DO CPC/2015. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
0198898-25.2012.8.19.0004 – APELAÇÃO. Des(a) MARCOS ANDRE CHUT – Julgamento: 05/09/2018 – VIGÉSIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL. APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ERRO MÉDICO. CIRURGIA ESTÉTICA. ALEGAÇÃO DE QUE A AUTORA APRESENTOU SEQUELAS DECORRENTES DE ERRO MÉDICO COMETIDO EM CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA DE MAMAS, GLÚTEOS E ABDOMINOPLASTIA. LAUDO PERICIAL QUE NÃO CONFIRMA A OCORRÊNCIA DE ERRO MÉDICO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DA PARTE AUTORA. CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA. A OBRIGAÇÃO DO MÉDICO É DE RESULTADO, NESTE CASO. LAUDO MÉDICO QUE CONCLUIU PELA CORREÇÃO DOS PROCEDIMENTOS ADOTADOS. MÁ CICATRIZAÇÃO DAS FERIDAS QUE DECORRE DE CONDIÇÕES BIOLÓGICAS PRÓPRIAS DE CADA PACIENTE. CIRCUNSTÂNCIA ALHEIA À ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL, APTA A AFASTAR SUA RESPONSABILIDADE. ERRO MÉDICO NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA QUE SE MANTÉM. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.
Entendimento semelhante foi adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), durante o julgamento da Apelação Cível n.º 0007967-12.2014.8.16.0026, em 20 de setembro de 2019:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CIRURGIA DE MASTOPEXIA COM COLOCAÇÃO DE IMPLANTE MAMÁRIO. ALEGADO ERRO MÉDICO. RESULTADO ESPERADO NÃO ATINGIDO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSOS INTERPOSTOS POR AMBAS AS PARTES.
APELAÇÃO CÍVEL (1). RECURSO MANEJADO PELA REQUERIDA. ÔNUS DE PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA DA LIDE SECUNDÁRIA. ADIMPLEMENTO A CARGO DA DENUNCIANTE NO CASO DE DENUNCIAÇÃO FACULTATIVA, COMO NA SITUAÇÃO DOS AUTOS. ART. 129, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/2015. PRECEDENTES.
APELAÇÃO CÍVEL (1) CONHECIDA E DESPROVIDA.
APELAÇÃO CÍVEL (2). RECURSO AVIADO PELA AUTORA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DA PROFISSIONAL LIBERAL. ART. 14, §4º, DO CDC. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. CIRURGIA DE CORREÇÃO DE QUADRO DE PTOSE E ASSIMETRIA MAMÁRIA. PERÍCIA QUE ATESTA QUE NÃO HOUVE NEGLIGÊNCIA, IMPRUDÊNCIA OU IMPERÍCIA. RESULTADO INSATISFATÓRIO DO PROCEDIMENTO QUE DECORREU DOS FATORES GENÉTICOS APRESENTADOS PELA AUTORA ALIADOS AO DESCUIDO DA PACIENTE NA ADOÇÃO DAS RECOMENDAÇÕES MÉDICAS FORNECIDAS PARA O PERÍODO PÓS-OPERATÓRIO. AUSÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INEXISTÊNCIA DE DEVER INDENIZATÓRIO. SENTENÇA MANTIDA.
APELAÇÃO CÍVEL (2) CONHECIDA E DESPROVIDA.
FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.
Em comum, esses três acórdãos mencionados acima trazem a menção à obrigação de resultado na cirurgia plástica estética, mas reconhecem intrinsecamente que há uma impossibilidade conceitual, uma vez que a ciência médica e a realidade, enfim, insistem em não se amoldar ao equivocado conceito jurídico.
Sérgio Cavalieri Filho entende e leciona no sentido de que não se deixa de reconhecer, em tais casos, a responsabilidade subjetiva, mas com culpa presumida:
E como se justifica essa obrigação de resultado do médico em face da responsabilidade subjetiva estabelecida no Código do Consumidor para os profissionais liberais? A indagação só cria embaraço para aqueles que entendem que a obrigação de resultado gera sempre responsabilidade objetiva. Entendo, todavia, que a obrigação de resultado em alguns casos apenas inverte o ônus da prova quanto à culpa; a responsabilidade continua sendo subjetiva, mas com culpa presumida. O Código do Consumidor não criou para os profissionais liberais nenhum regime especial, privilegiado, limitando-se a afirmar que a apuração de sua responsabilidade continuaria a ser feita de acordo com o sistema tradicional, baseado na culpa. Logo, continuam a ser-lhes aplicáveis as regras da responsabilidade subjetiva com culpa provada nos casos em que assume obrigação de meio; e as regras de responsabilidade subjetiva com culpa presumida nos casos em que assumem obrigação de resultado.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), todavia, tem apresentado entendimento diverso, como se nota no acórdão a seguir transcrito:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. DANO ESTÉTICO COMPROVADO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte entende que “A cirurgia estética é uma obrigação de resultado, pois o contratado se compromete a alcançar um resultado específico, que constitui o cerne da própria obrigação, sem o que haverá a inexecução desta” (REsp 1.395.254/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe de 29/11/2013). (…) 4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 678.485/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 19/11/2015, DJe 11/12/2015) (original sem grifos)
Com a devida vênia, tal entendimento pode ser aplicado a um contrato de transporte de mercadoria, mas não a um procedimento cirúrgico. Não há justificativa alguma para qualificar de maneira diferente um procedimento “estético” de um “reparador”. Ou seria o elemento vaidade um fator a ser considerado, quando comparado com os demais procedimentos médicos?
O que diferenciaria o compromisso de “alcançar um resultado específico” em uma cirurgia plástica estética programada de uma outra cirurgia – também programada –, desta feita realizada na área de cardiologia, para a troca de uma válvula coronariana?
Uma rápida busca na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça mostra um impressionante – e preocupante – compilado de decisões com o mesmo fundamento, sem qualquer individualização de casos ou condutas, jogando na mesma vala comum todos os casos envolvendo cirurgia plástica estética, utilizando do mesmo conjunto de palavras:
2. A obrigação assumida pelo médico, normalmente, é obrigação de meios, posto que objeto do contrato estabelecido com o paciente não é a cura assegurada, mas sim o compromisso do profissional no sentido de um prestação de cuidados precisos e em consonância com a ciência médica na busca pela cura.
3. Apesar de abalizada doutrina em sentido contrário, este Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a situação é distinta, todavia, quando o médico se compromete com o paciente a alcançar um determinado resultado, o que ocorre no caso da cirurgia plástica meramente estética. Nesta hipótese, segundo o entendimento nesta Corte Superior, o que se tem é uma obrigação de resultados e não de meios.
4. No caso das obrigações de meio, à vítima incumbe, mais do que demonstrar o dano, provar que este decorreu de culpa por parte do médico. Já nas obrigações de resultado, como a que serviu de origem à controvérsia, basta que a vítima demonstre, como fez, o dano (que o médico não alcançou o resultado prometido e contratado) para que a culpa se presuma, havendo, destarte, a inversão do ônus da prova.
5. Não se priva, assim, o médico da possibilidade de demonstrar, pelos meios de prova admissíveis, que o evento danoso tenha decorrido, por exemplo, de motivo de força maior, caso fortuito ou mesmo de culpa exclusiva da “vítima” (paciente).
Negar as evidências científicas e os estudos médicos, que afirmam a impossibilidade de prever com 100% de certeza o comportamento da fisiologia humana, em nome da imutabilidade de um entendimento equivocadamente sedimentado não faz bem à evolução e à adequação do pensamento jurídico e não orna com a tradição jurídica inovadora e doutrinária daquela Corte de Justiça.
Esse mesmo entendimento – qual seja, o respeito às evidências científicas em detrimento do apego a uma equivocada e inexplicável construção “jurídica” – já se encontra consolidado há muito na jurisprudência espanhola. Tome-se, por exemplo, o acórdão da Sala Civil do Tribunal Supremo espanhol proferido no julgamento do Recurso STS 4355/2021, em 30 de novembro de 2021, do qual extraímos o seguinte trecho:
3.1. A materialização de um risco típico informado e consentido não é fonte de responsabilidade civil, exceto por concurso de culpa ou negligência.
Pois bem, neste caso, verificamos que a assimetria e as cicatrizes são riscos típicos da intervenção, os quais estão expressamente descritos no consentimento informado assinado pela autora e que, aliás, já haviam sido previamente avisados na operação anterior, que havia sido praticado, conforme consta da sentença da Audiência; portanto, se forem conhecidas e assumidas, sua imputação legal ao médico assistente só é possível se for constatada imperícia na execução da técnica cirúrgica.
No laudo médico fornecido com a reclamação, não há registro ou descrição de qualquer deficiência na prestação da técnica cirúrgica dispensada, que pudesse implicar em falta de diligência por parte do cirurgião em exercício, cuja qualificação profissional também não foi questionada, simplesmente afirmando um resultado de assimetria e cicatrizes.
Nas circunstâncias expostas, não é fonte de responsabilidade civil a materialização de um risco típico de uma intervenção cirúrgica devidamente informada, que tenha sido consciente e voluntariamente assumido pelo autor, a quem o resultado não foi garantido.
No caso do Acórdão 1/2011, de 20 de janeiro, em processo que guarda certa identidade com o presente, a pretensão foi julgada improcedente, uma vez que foram prestadas ao paciente informações suficientemente expressivas sobre a intervenção a ser realizada. realizar (lifting mamário – mastopexia -), bem como os seus riscos, incluindo os da anestesia, seguindo o protocolo elaborado pela Sociedade Espanhola de Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética.
Em suma, como conclui a sentença n.º 250/2016, de 13 de abril:
“A cirurgia estética ou plástica não implica a garantia do resultado e embora seja verdade que a sua obtenção seja o principal objetivo de toda intervenção médica, voluntária ou não, e aquela que o autor esperava, o insucesso não é imputável ao médico pelo simples resultado, como aqui feito, desconsiderando a ideia subjetiva de culpa, que não é contemplada pela sentença que atribui responsabilidade objetiva ao profissional médico, contrariando a jurisprudência deste Tribunal”.
3.2.- A obrigação dos médicos tanto na chamada medicina voluntária ou satisfatória, como na necessária ou curativa, é de meio e não de resultado.
Esta sala já se cansou de repetir que a distinção entre obrigação de meios e resultados não pode ser mantida no exercício da atividade médica, salvo se o resultado for pactuado ou garantido (SSTS 544/2007, de 23 de maio; 534/2009, de 30 de junho , 778/2009, de 20 de novembro, 20/11/2008 e 517/2013, de 19 de julho, 18/2015, de 3 de fevereiro); porque, em ambos os casos, o médico concorda em utilizar os conhecimentos e técnicas oferecidos pela medicina, sob os riscos típicos, que ocorrem fora da atuação diligente e que, além disso, estão sujeitos a um certo componente aleatório, tendo em vista que nem todas as pessoas reagem da mesma forma aos tratamentos dispensados.
No sentido acima, decidimos, entre outros, no acórdão 250/2016, de 13 de abril, no qual advertimos expressamente:
“[…] Uma coisa é que a jurisprudência não é vinculativa e os tribunais podem afastar-se dela com razão, e outra é que o tribunal de primeira instância a ignora, e decide contra ela, como é o caso no presente processo.
A sentença de 7 de maio de 2014, que reproduz a mais recente de 3 de fevereiro de 2015, citando as sentenças de 20 de novembro de 2009, 3 de março de 2010 e 19 de julho de 2013, em caso semelhante de medicina voluntária, diz o seguinte: “A responsabilidade do profissional médico é de meios e como tal não pode garantir um resultado concreto. A sua obrigação é colocar à disposição do doente os meios adequados, comprometendo-se não só a completar as técnicas previstas para a patologia em causa, de acordo com ciência médica adequada à boa prática, mas aplicar essas técnicas com o cuidado e a precisão exigidos de acordo com as circunstâncias e os riscos inerentes a cada intervenção e, em particular, fornecer ao paciente as informações necessárias para consentir ou rejeitar uma determinada intervenção. Os médicos atuam sobre pessoas, com ou sem alterações de saúde, estando a intervenção médica, como todas, sujeita à sua própria componente aleatória, pelo que os riscos ou complicações que podem derivar das diferentes técnicas cirúrgicas utilizadas são semelhantes emtodos os casos e as o fracasso da intervenção pode não estar tanto na imperícia quanto em simples alterações biológicas. O contrário significaria dispensar a ideia subjetiva de culpa, típica de nosso sistema, para atribuir responsabilidade de natureza objetiva derivada do simples resultado obtido na prática do ato médico, independentemente de qualquer outra avaliação de culpa e nexo de causalidade e a comprovação de uma ação médica ajustada à lex artis, quando for cientificamente reconhecido que a segurança de um resultado não é possível, pois nem todos os indivíduos reagem da mesma forma aos tratamentos disponíveis na medicina atual (SSTS 12 de março de 2008; 30 de junho de 2009)”. (Grifos nossos. Tradução nossa.)
5. NOTAS CONCLUSIVAS
A doutrina admite a distinção entre uma cirurgia estética reparadora de enfermidades congênitas e outra de finalidade puramente estética. Ocorre que a fronteira entre tais casos pode ser extremamente difusa. A correção de um lábio leporino(fissura labiopalatina), por exemplo, é considerada reparação de enfermidade congênita. Por que, então, a modificação corretiva de um nariz enorme ou de orelhas desproporcionalmente grandes não pode assim também ser considerada, se, em ambos os casos, o que se persegue é um melhoramento estético? Em nosso sentir, o verdadeiro problema nas cirurgias plásticas não é o fato de serem reparadoras ou não, de possuírem finalidade terapêutica ou não. Em qualquer situação, a obrigação continuará a ser de meio, não de resultado, em virtude das várias razões já expostas.
O verdadeiro problema, causador de tantas celeumas e pendências jurídicas, é a falta de adequada e prévia informação ao paciente. Por vezes, a oferta do serviço não traz uma apresentação clara dos riscos envolvidos, inclusive os riscos anestésicos do procedimento, sendo sugeridos resultados que não podem ser garantidos. Cabe ao cirurgião plástico prestar ao paciente informação clara, completa, precisa e inteligível, de modo que ele, conhecendo os riscos advindos de suas decisões e do tratamento perseguido, assuma as responsabilidades de seu consentimento informado e se comprometa a seguir as instruções para o período pós-operatório.
Ao cirurgião plástico cabe, ainda, não prometer um resultado cuja garantia não pode oferecer. Se assim o faz, aí, sim, atrai para si uma responsabilidade objetiva, ao se utilizar de uma promessa indevidamente para fins comerciais.
Assume um risco desnecessário e, em virtude dessa má decisão profissional, pode vir a responder, mesmo que tenha empregado da maneira mais adequada as leges artis, assim definida por Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues como “o conjunto de regras e princípios profissionais, aceitos genericamente pela ciência médica num momento histórico determinado, e que são ajustáveis à realidade individual do paciente”.
Assim, em caso de resultados indesejados, necessitará o cirurgião plástico decomprovar que se desincumbiu de seu prévio dever de informação e que não agiu com dolo, negligência, imprudência ou imperícia, não se lhe podendo atribuir culpa por evento danoso superveniente, próprios da aleatoriedade do organismo humano e das imprevisibilidades da ciência médica.
Em nome da segurança jurídica e do respeito à autonomia da vontade, que permeia e vincula as relações contratuais entre pessoas adultas e capazes, é necessário rever e modificar o entendimento jurisprudencial majoritário, no sentido de reconhecer a impossibilidade de um planejamento cartesiano para procedimentos cirúrgicos, estéticos ou não, uma vez que existe uma multiplicidade de fatores que podem interferir e interagir, não havendo na medicina a possibilidade de uma “obrigação de resultado”.
Decisões que simplesmente mencionam “entendimento dos tribunais superiores”, como forma de não se debruçar – sequer superficialmente – sobre os elementos concretos dos processos indenizatórios envolvendo responsabilidade civil médica oriunda de procedimentos estéticos se mostram em completo desacordo com a sistemática processual atual e em desacordo com o atual estágio de conhecimento sobre a fisiologia humana.
O próprio Superior Tribunal de Justiça necessita rever um posicionamento que já se mostra tão ultrapassado quanto automatizado, na pior acepção do termo. Ao contrário do que se imagina, reconhecer o equívoco é um sinal de grandeza, e modificar o entendimento jurisprudencial, à luz da evolução do pensamento e do próprio tecido social, adequando-se ao Zeitgeist, é a forma mais eficaz de entregar justiça, equidade e estabilidade nas relações privadas.
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