Advanced directives of will and its importance in the physician-patient relationship
Fonte: Revista de Direito Médico e da Saúde – nº 27 – Anadem
Eduardo Vasconcelos dos Santos Dantas Filho
Sumário: 1. Introdução. 2. Função das DiretivasAntecipadas de Vontade e a sua importância na relação médico-paciente. 3. Considerações sobre os princípios da autonomia e da autonomia privada nas situações de terminalidade da vida. 3.1. Da autonomia como expressão da liberdade individual. 3.2. Da evolução histórica da autonomia privada no Brasil. 3.3. Da autonomia privada como princípio corolário da dignidade humana. 3.4. Da autonomia da pessoa inconsciente. 3.5. Da atuação médica no fim da vida. 3.6. Dos conceitos de eutanásia, morte assistida, distanásia e ortotanásia. 3.7. Do consentimento livre e esclarecido do paciente. 4. As DiretivasAntecipadas de Vontade. 4.1. Do conceito e das modalidades. 4.2. Breves considerações sobre a experiência no Direito Comparado. 4.3. O tratamento da matéria na Constituição e nas leis brasileiras. 4.4. A Resolução n.º 1.805/2006 do CFM. 4.5. A Resolução n.º1.995/2012 do CFM. 4.6. O Código de Ética do CFM(Resolução n.º 2.217/2018). 4.7. A natureza jurídica, as características, os requisitos e o conteúdo possível para a sua elaboração. 4.8. O poder decisório dos médicos e dos familiares mediante a vontade expressa do paciente terminal. 5. Notas conclusivas. Referências bibliográficas.
Resumo: O presente estudo tem como objetivo analisar e explicar o que são as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAVs) no ordenamento jurídico brasileiro e exaltar a importância das mesmas, pois elas resguardam a autonomia do paciente sobre quais tratamentos médicos ele deseja receber no fim de sua vida. Ao longo dos anos, com o avanço da medicina permitindo o prolongamento da vida, surgiram muitas reflexões quanto aos limites da medicina a serem empregados aos pacientes terminais e à relação médico-paciente. Também será analisado como o tema é concebido no ordenamento jurídico brasileiro, que não possui legislação específica para as DAVs, mas conta com a ordem constitucional assentada no princípio da dignidade humana e comprometida com a efetivação dos direitos e das garantias fundamentais.
Palavras-chave: Diretivas Antecipadas de Vontade. Importância na relação médico-paciente. Testamento Vital. Mandato Duradouro. Autonomia privada. Dignidade da pessoa humana. Doença terminal. Medicina paliativa.
Abstract: The present study aims to analyze and explain what the Advanced Directive of Will (ADW) are in the Brazilian legal system and to exalt their importance, as they safeguard the patient’s autonomy over which medical treatments he wants to receive atthe end of his life. Over the years, with the advancement of medicine allowing the prolongation of life, many reflections have arisen regarding the limits of medicine to be applied to the terminally ill patients and the doctor-patient relationship. It will also beanalyzed how the theme is conceived in the Brazilian legal system, which does not havespecific legislation for ADW, but has a constitutional order based on the principle of human dignity and committed to the realization of fundamental rights and guarantees.
Keywords: Advance Directives of Will. Importance of the doctor-patient relationship.Living Will. Enduring Mandate. Private Autonomy. Dignity of human person. Terminal illness. Palliative Medicine.
1. INTRODUÇÃO
Tratar sobre a morte e suas consequências é tarefa que desafia e gera grandes polêmicas, especialmente se se considerar as diferentes crenças religiosas e culturais a respeito da terminalidade de vida, as explicações científicas e, até mesmo, as mais variadas considerações jurídicas.
A dignidade é prerrogativa inerente à pessoa humana por sua só existência no mundo e assim deve ser até o fim da vida, mesmo ainda que esse processo se dê em circunstâncias nas quais a consciência já não esteja a par de exigir o cumprimento dessa garantia fundamental. O direito e seus institutos, neste ponto, servem como instrumentos essenciais a sua realização, mas de fundamental importância à relação médico-paciente.
Nos dizeres de Luciana Dadalto (2022, p. 19):
Por óbvio, é induvidoso o benefício das diretivas antecipadas quanto ao melhoramento da relação médico- paciente, o aumento da comunicação e da confiança entre médico e paciente, a proteção do médico contra reclamações e denúncias, a orientação do médico ante situações difíceis e conflituosas, o alívio moral para os familiares diante de situações duvidosas ou “potencialmente culpabilizadoras” e, por fim, a economia de recursos da saúde.
As Diretivas Antecipadas de Vontade (DAVs) conferem efetividade à autonomia privada do paciente e à concretização de sua dignidade, tratando-se de um documento em que se determina, previamente, a opção ou a recusa pela ortotanásia, que é a suspensão de tratamentos médicos extraordinários na manutenção da vida, ou se escolhe um procurador que o decida em seu lugar, a fim de que a sua vontade seja respeitada. O instituto deve servirá de base para as decisões médicas e busca poupar o paciente e seus familiares da prorrogação do sofrimento físico e psicológico.
Tem-se notícia que o primeiro documento de manifestação prévia de vontade do paciente terminal, tal como o temos hoje, foi proposto em 1967, nos Estados Unidos da América, e ganhou o nome de living will. No Brasil, essa nomenclatura foi inapropriadamente traduzida para “testamento vital”, referindo-se a uma das modalidades de DAVs existentes ao lado do Mandato Duradouro. Outros países também adotaram esse mesmo nome, a exemplo do americano, entre eles o Reino Unido (living will), Itália (testamento biológico), França (testament de vie) e Portugal (testamento vital). Importante destacar, com efeito, que, nesses países e também em outros, tais como Holanda, Bélgica, Alemanha, Espanha, Argentina, Porto Rico e Uruguai, as declarações prévias de vontade foram devidamente incorporadas e reguladas em lei, o que ainda não ocorreu no Brasil.
Dado o panorama geral a respeito do tema, o presente trabalho objetiva tratar sobre a importância das Diretivas Antecipadas de Vontade e a relação médico-paciente, bem como, ainda que inexista legislação nacional que trate expressamente sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade, sobre se o instituto é válido e eficaz no ordenamento jurídico brasileiro. Além de identificar as disposições possíveis de serem incluídas nesses documentos, determinar os limites de seu conteúdo e descrever o procedimento para a sua elaboração.
No primeiro capítulo, propôs-se, já de início, tratar sobre a função das Diretivas Antecipadas de Vontade e sua importância na relação médico-paciente. Em seguida, no segundo capítulo, passou-se às considerações sobre os princípios da autonomia e da autonomia privada nas situações de terminalidade da vida, a liberdade e a dignidade humana. No terceiro capítulo, definiram-se o conceito e as modalidades das DAVs, passando-se a breves considerações sobre o Direito Comparado e, por fim, às conclusões a que se chegou acerca da validade e da eficácia das Diretivas Antecipadas de Vontade no Brasil. Foi tratado sobre as resoluções do Conselho Federal de Medicina(CFM), destacando-se a relação médico-paciente e os cuidados que devem ter esses profissionais na sua atuação.
Além da inexistência de lei, o instituto das DAVs é pouco conhecido no Brasil, inclusive pela comunidade médica, e, embora seja crescente o número de trabalhos acadêmicos acerca desse tema, quase não se discute a respeito. A importância do tema é inquestionável, não existindo qualquer outro instrumento jurídico no País capaz de conferir força à vontade do paciente terminal inconsciente.
Sendo esse o contexto, o presente trabalho visa a contribuir para o acesso de informações e de opiniões sobre o assunto, reiterando a importância do debate a respeito das DAVs e da cientização dos cidadãos e dos médicos sobre o seu uso e procedimentos.
2. FUNÇÃO DAS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE E SUAIMPORTÂNCIA PARA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE
Todos nós aprendemos desde cedo que a morte é a única certeza da nossa vida. No entanto, temos o direito à vida assegurado e esse direito inclui gozar da vida com autonomia e liberdade. Partindo dessa premissa, pode o paciente deliberar sobre sua vida mesmo em questões médicas? Sim, o paciente tem esse direito.
Segundo o artigo 56 do Código de Ética Médica (CEM), Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 2.217, de 27 de setembro de 2018, é direito do paciente “decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida”.
O Código de Ética Médica é igualmente importante quando o assunto são as Diretivas Antecipadas de Vontade, porque estabelece princípios que regulam a conduta do profissional de saúde e seu objetivo segue na mesma linha que os demais documentos do órgão, visando que os profissionais da área priorizem a autonomia do paciente.
O Código de Ética Médica também dispõe de outros artigos importantes, que valem ser citados: “Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo”.
Eduardo Dantas e Marcos Coltri, no livro “Comentários ao Código de Ética Médica” (DANTAS, 2020, p; 176), refletem que “Considerando que a autonomia do paciente é um dos pilares desse Código de Ética Médica, torna-se função do profissional garantir que o paciente livremente decida sobre o seu bem-estar e sobre a sua pessoa”.Segundo o artigo 41 do Código de Ética Médica:
Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seurepresentante legal.
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médicooferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender açõesdiagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre emconsideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a deseu representante legal.
Apresentando os artigos acima, eis que surge a importância das chamadas Diretivas Antecipadas de Vontade. Mas afinal, o que são as Diretivas Antecipadas de Vontade?
Graças ao avanço da Medicina foi possibilitado a construção de um instrumento jurídico chamado “Diretivas Antecipadas de Vontade”. Esse instrumento foi aprovado no Brasil pelo Conselho Federal de Medicina do Brasil em 2012, por meio da Resolução CFM n.º 1.995, de 31 de agosto de 2012.
As Diretivas Antecipadas de Vontade, também conhecidas como “testamento vital”, visam a assegurar a vontade do paciente terminal de morrer com dignidade, garantindo a ele manifestar de forma prévia quais tratamentos médicos ele deseja ou não caso futuramente estiver em estado de incapacidade.
Quem tem o direito de usar esse instrumento jurídico? As Diretivas Antecipadas de Vontade podem ser feitas por qualquer pessoa com mais de 18 anos de idade e que seja legalmente capaz.
Vale ressaltar que é importante que esse documento seja feito junto de um médico, para orientação de termos técnicos. É importante frisar que não é necessário que o documento seja feito por alguém da área do direito e nem mesmo necessita ser aprovado por um advogado. O paciente pode apenas escrever e entregar para o médico, que deve anexar ao prontuário.
As Diretivas Antecipadas de Vontade podem ser revistas e alteradas a qualquer momento, desde que o paciente esteja pleno gozo de suas capacidades no momento da alteração. Consequentemente, o paciente terá uma autonomia maior. Isso é importante, pois devem ser considerados seus direitos fundamentais, uma vez que viver com dignidade não significa viver a qualquer custo.
Esse reconhecimento da autonomia do paciente repercute de forma direta nas relações entre médico e paciente, médico e família do paciente, pois é verdade que a relação entre Médico e paciente consiste em um contrato de prestação de serviços, no qual são estabelecidos direitos e obrigações de ambos os lados. Dito isso, a relação médico-paciente deve ser um relacionamento interpessoal de qualidade, sob questões estruturais e a ética, que parte de um olhar diferenciado em direção ao paciente no fim da vida.
Vale citar o artigo do Código de Ética Médica como uma obrigação e responsabilidade do médico nessa relação:
Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal. Ou seja, o Médico como prestador de serviço, ele deve informar ao paciente sobre todos os aspectos de sua doença, da conduta e seus riscos.
Eduardo Dantas e Marcos Coltri assim afirmam em seu livro “Comentários aoCódigo de Ética Médica” (DANTAS, 2010, p. 105):
Por adequação entende-se a prestação das informações sobre o quadro do paciente, quais são as opções de procedimento, quais as consequências de cada um dos procedimentos, possíveis benefícios dos procedimentos e, principalmente, quais os riscos envolvidos em cada um dos procedimentos.Ainda o paciente deve ser informado sobre as consequências e os riscos inerentes a não adoção de procedimentos.
Quando a morte chega, a atenção e o cuidado com a família devem continuar e os profissionais de saúde têm significativo papel nesse momento. Deve-se deixar o parente falar, chorar, desabafar, se necessário. Deve-se deixar que participe, converse –é importante ficar à disposição. É muito importante haver uma humanização maior na Medicina.
Explica os referidos princípios Maria Helena Diniz (DINIZ, 2006, p.648-649),que assim dispõe:
Nas relações médico-paciente, a conduta médica deverá ajustar-se às normas éticas e jurídicas e aos princípios norteadores daquelas relações, que requerem uma tomada de decisão no que atina aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos a serem adotados. Tais princípios são da beneficência e não maleficência, o do respeito à autonomia e ao consentimento livre e esclarecido e o da justiça. Todos eles deverão ser seguidos pelo bom profissional da saúde, para que possa tratar seus pacientes com dignidade, respeitando seus valores, crenças e desejos ao fazer juízos terapêuticos, diagnósticos e prognósticos. Dentro dos princípios bioéticos, o médico deverá desempenhar, na relação com seus pacientes, o papel de consultor, conselheiro e amigo, aplicando os recursos que forem mais adequados.
Consequentemente as Diretivas Antecipadas vão entrar na relação médico-paciente, pois permitirão maior autonomia ao paciente e servirão de meio hábil para resguardar o médico de eventual responsabilização ao fazer ou não uso dos tratamentos e dos cuidados dispensados pela escolha prévia do paciente ainda capaz.
3. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PRINCÍPIOS DA AUTONOMIA E DA AUTONOMIA PRIVADA NAS SITUAÇÕES DE TERMINALIDADE DA VIDA
A luta pela implementação das Diretivas Antecipadas de Vontade advém do respeito à liberdade, que cada pessoa humana possui, de tomar decisões de acordo com sua vontade. Cada indivíduo possui o direito de decidir o que entende por bom ou ruim para si próprio, como optar ou não por tratamentos médicos extraordinários no fim da vida. O instituto das DAVs pressupõe, portanto, a autonomia individual, corolário da liberdade e da dignidade da pessoa humana, princípio que foi concebido de diferentes maneiras pelo nosso ordenamento jurídico com o passar dos anos.
Diante do anteriormente exposto, antes de adentrar o estudo das DAVs propriamente dito, mostra-se essencial uma abordagem prévia sobre o conteúdo da autonomia e de como essa prerrogativa necessidade imperiosa de regulação de um documento de disposições prévias de vontade do paciente terminal no Brasil.
3.1. Da autonomia como expressão da liberdade individual
A autonomia, nos dizeres de Eduardo Dantas (2022, p. 443 e 444), trata-se de:
Necessário se faz compreender que o princípio da autonomia interpreta os melhores interesses do paciente exclusivamente a partir do ponto de vista do próprio enfermo, sem levar em conta o valor objetivo que a medicina reconhece a cada situação, o que pode levar – por óbvio – a concordâncias com a opinião médica, técnica, científica, ou mesmo à absoluta discordância com o caminho proposto. O modelo autonômico tomará por baliza o juízo de valor próprio e específico de cada indivíduo, em função de seus ideais, crenças e formação, respeitando assim o direito do paciente à autodeterminação.
Continua Eduardo Dantas nas páginas 445 e 446 da obra antes mencionada:
O princípio da autonomia é muito bem demonstrado no sistema jurídico brasileiro, a começar pelas disposições do artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, que determina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. A autonomia, no tocante ao tratamento médico, tem sua expressão máxima no direito à recusa de tratamento.
No entanto, esta autonomia não é absoluta. Nesse sentido, expõe DanielSarmento (2008, p. 155):
Essa autonomia privada não é absoluta, pois tem de ser conciliada, em primeiro lugar, com o direito das outras pessoas a uma idêntica quota de liberdade, e, além disso, com outros valores igualmente caros ao EstadoDemocrático de Direito, como a autonomia pública (democracia), a igualdade, a solidariedade e a segurança. Se autonomia privada fosse absoluta, toda lei que determinasse ou proibisse qualquer ação humana seria inconstitucional.
Pelo viés axiológico (valores) da utilidade das Diretivas Antecipadas de Vontade, convém aprofundar-se no estudo da autonomia privada, princípio que pode significar duas concepções distintas, levando a doutrina majoritária a separá-las em dois conceitos, a autonomia privada e a autonomia da vontade, que serão tratadas a seguir.
3.2. Da evolução histórica da autonomia privada no Brasil
A etimologia da palavra autonomia tem origem na conjunção das expressões gregas “autos” (si mesmo) e “nómos” (lei), segundo a qual, cabe à cada pessoa o direito de guiar-se segundo suas próprias regras. A forma com que o direito brasileiro tutela essa prerrogativa corroborou para a atual concepção do princípio da autonomia privada, tendo sido precedida, de acordo com o entendimento doutrinário predominante, pela noção da autonomia da vontade.
Segundo Francisco Amaral (2008, p. 345), “a expressão ‘autonomia da vontade’ tem uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto a autonomia privada marca o poderda vontade no direito de um modo objetivo, concreto e real”. Dessa forma, enquanto a autonomia da vontade seria apenas a manifestação subjetiva de vontade, exercida em liberdade por cada indivíduo dentro do campo jurídico, a autonomia privada caracteriza-se pelo poder de criar normas e atribuir a si mesmo um ordenamento jurídico complementar ao do Estado.
Os primórdios do princípio da autonomia da vontade situam-se na pós-modernidade, quando se institucionalizou o Estado liberal de direito, fruto dos ideais libertários advindos da crescente burguesia e consagrados com a Revolução Francesa de 1789. Entendia-se que os cidadãos tinham plena capacidade de se autorregularem e que, por isso, o poder público deveria interferir minimamente nas relações individuais, mesmo porque, na época, “a autonomia era vista como autossuficiência” (DADALTO, 2010, p. 10) e qualquer ingerência do Estado na esfera individual representava um risco à liberdade, à vida, à individualidade familiar e até à propriedade e ao mercado.
Nesse cenário, a autonomia e as demais prerrogativas individuais eram apenas garantias formais, não importando ao poder público que fossem realizadas concretamente. Não significava que o Estado era negligente, pelo contrário, acreditava-se que a não imposição de diligência alguma nas relações privadas era o caminho certo para a melhor tutela dos direitos fundamentais. Nesse quadro histórico, emergiu a aclamação formal dos direitos de primeira geração, grandes avanços na realização de negócios jurídicos, aumento da industrialização, modernização e explosão do mercado de capital, mas, também, verdadeiras injustiças como consequência dessa irrestrita soberania da vontade individual.
Foi após a Primeira Guerra Mundial que se entendeu que, por conta própria, o indivíduo não seria capaz de garantir seus próprios interesses sem invadir a esfera alheia. Era preciso buscar a justiça material, preocupação que fundamentou a eclosão de um novo paradigma, o Estado Social. Já nessa época era possível identificar a releitura do princípio da autonomia da vontade para introduzir a noção de autonomia privada – mesmo que incompleta –, ao passo que, ao menos idealmente, buscava-se atender esse e outros direitos fundamentais de modo mais objetivo e concreto através do Estado e suas instituições.
Sob a égide do Estado Social, surgem os chamados direitos de segunda geração, de conteúdo econômico e social, que buscavam melhores condições de vida aos cidadãos, tais como o direito ao trabalho, à educação, à saúde e à moradia, exigindo do Estado uma atuação positiva em prol dos indivíduos (BRADBURY, 2006). Contudo, esse regime jurídico-político não conseguiu garantir a justiça social da forma promulgada.
Foi apenas com a emergência do paradigma do Estado democrático de direito, que presentemente nos rege, que se verificou a coexistência pacífica e complementar da autonomia dos cidadãos – que “tem por fundamento a liberdade do indivíduo”(DADALTO, 2010, p. 11) – e as funções estatais.
A sociedade jurídico-política está fundada na democracia e na soberania popular, ou seja, na ideia de que o povo participa ativamente na escolha de representantes políticos que, eleitos, devem pautar-se exclusivamente na efetivação do bem-estar desses cidadãos, utilizando-se de instrumentos formais que auxiliam na conformação das garantias fundamentais e de valores sociais de convivência humana.
Sob a égide do atual paradigma, a autonomia privada é compreendida como o papel essencial que a vontade dos cidadãos desempenha na atuação das instituições e na conformação do próprio direito. Segundo estabelece Roxana Borges (2007, p. 47-48):
Entende-se, em geral, autonomia privada como o poder atribuído pelo ordenamento jurídico ao indivíduo para que este possa reger, com efeitos jurídicos, suas próprias relações. Esse poder confere às pessoas a possibilidade de regular, por si mesmas, as próprias ações e suas consequências jurídicas, ou determinar o conteúdo e os efeitos de suas relações jurídicas, tendo o reconhecimento e podendo contar com a proteção do ordenamento jurídico.
Dessa forma, vê-se a reformulação do entendimento que se tinha acerca da vontade individual como comando que apenas imperava no âmbito das relações pessoais (autonomia da vontade) para o estabelecimento de um verdadeiro poder jurídico de autorregulamentação, conferido pelo direito e nele consolidado (autonomia privada), observando as noções de soberania popular e de supremacia dos direitos fundamentais.
Nesse contexto, as Diretivas Antecipadas de Vontade ganham maior relevância e são instrumentos jurídicos à disposição do indivíduo para que a sua vontade seja garantida objetivamente, ou seja, tenha reflexo no ordenamento jurídico, orientando a criação de leis que garantam o cumprimento dos interesses de cada um.
3.3. Da autonomia privada como princípio corolário da dignidade humana
O Estado democrático de direito é marcado por uma releitura dos direitos da personalidade e das garantias fundamentais, que foram ampliados, tiveram reconhecida a sua normatividade e passaram a ter, em sua base, a dignidade da pessoa, um dos princípios estruturantes de toda a ordem constitucional (CF, art. 1, III). Nas lições deRoberto Barroso (2012, p. 13), “a dignidade humana é um atributo concebido desde aRoma antiga – dignitas hominis – passando por diversos marcos que lhe ressignificaram até alcançar o notável relevo constitucional que existe hoje no mundo todo”.
O Iluminismo e o advento da modernidade – estudado no tópico anterior –, que trouxeram consigo uma releitura expressiva da noção de dignidade, tal como sucedeu ao princípio da autonomia e das garantias individuais como um todo. Importante destacar, nesse processo, as influências de grandes filósofos como Hobbes, Locke, Rousseau e, particularmente, Kant.
A Segunda Guerra Mundial foi um importante marco histórico no processo deconstitucionalização e de proteção dos direitos individuais, visto que, foi palco de verdadeiros horrores e atentados às garantias individuais da pessoa humana. O período pós-guerra foi importante para o delineamento da noção do princípio da dignidade, que foi incorporado ao plano jurídico, amplamente examinado em diversos tratados, documentos internacionais e nas constituições nacionais.
3.4. Da autonomia da pessoa inconsciente
A visão kantiana de que é a razão que diferencia o homem de outras espécies é unânime. Essa afirmativa traz consigo um questionamento importante, de como fica, o mentalmente incapaz. Em atenção a essa pergunta, o médico Eduardo Almeida responde que, na verdade, o pré-requisito da consciência, assim como a dignidade, são “características biológicas do Homo sapiens” (ALMEIDA, 2010, p. 384), ou seja, inerentes ao potencial humano, ainda que, por motivos extraordinários, tais atributos não se encontrem em plenitude.
O autor (ALMEIDA, 2010, p. 384) ressalta, contudo, que a assertiva acima não se aplica à noção de autonomia, “que não pode ser considerada apenas como possibilidade inerente, mas somente como capacidade efetiva, materializada nas escolhas morais da vida social”. É que, para Almeida (2010, p. 384), “uma pessoa autônoma é um indivíduo capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais e de agir em direção a esta deliberação, considerando os valores morais do contexto no qual está inserido”. Nesses termos, concorda Barroso ao afirmar que a autonomia pressupõe o preenchimento de algumas condições, das quais destaca “a razão (a capacidade mental de tomar decisões informadas), a independência (a ausência de coerção, de manipulação e de privações essenciais), e a escolha (a existência real de alternativas)” (BARROSO,2012, p. 81-82). Em conclusão, os autores colocam a razão (consciência) como um requisito essencial ao exercício da autonomia, não se podendo conceber autônoma, segundo essa linha de pensamento, uma pessoa que nasceu sem ou perdeu suas capacidades cognitivas, temporária ou permanentemente.
Na parte médica, considera-se a autonomia do paciente para que tome ciência e participe de todo o processo decisório de seu tratamento – princípio que orienta o consentimento informado, melhor detalhado adiante – apenas se dotado de habilidade cognitiva para entender as informações que lhe são repassadas e emitir suas preferências. Caso contrário, segue o tratamento através da vontade da família ou, na ausência dessa, da própria equipe médica.
Dessa forma, fica evidente que a incapacidade mental de um indivíduo para exercer sua autonomia diante das suas possibilidades terapêuticas torna-o vulnerável às injustiças e aos abusos médicos. Nas conclusões, tomadas por Eduardo Almeida (2010, p. 386), “deve haver, portanto deve-se buscar, uma forma de garantir o direito à autodeterminação na ausência de capacidade para a tomada de decisão”. As DiretivasAntecipadas de Vontade, no ponto, mostram-se como importantes instrumentos jurídicos, que garantem a expressão de suas escolhas, registradas previamente, de como serem tratadas no fim de suas vidas.
3.5. Da atuação médica no fim da vida
Inicialmente, importante ressaltar que, também no âmbito da medicina, a consideração pela dignidade do paciente acompanhou as significativas transformações ocorridas na sociedade. O fim da vida, até a era moderna, era compartilhado pela família e pela comunidade, consequência de um decurso de vida normal e incontrolável, normalmente resultante de doenças degenerativas, das quais não se tinha muito conhecimento de cura. A partir de meados do século XX, no entanto, com os referidos avanços da ciência médica, viu-se transformar o processo do morrer e até mesmo a concepção de morte.
Um exemplo concreto dessa transformação é, inclusive, a substituição do critério de morte cardiorrespiratória, que deu lugar, a partir da metade do século XX, à morte encefálica. No Brasil, esse critério foi adotado pela primeira vez em 1968 e regulado pelo CFM, em 1997, com a Resolução n.º 1.480, de 08 de agosto de 1997(RODRIGUES et al, 2013, 272-274). Relembra-se, ainda, uma série de transformações sociais impulsionadas por acontecimentos como a modernização, a Revolução Francesa e a industrialização, as guerras mundiais, a secularização e a insurgência de novas ideias e visões de mundo, que foram responsáveis por uma completa mudança na forma de tratamento de pacientes em estágio terminal de vida.
Na medida em que ocorria o aprimoramento da medicina, a equipe médica recebia a centralização de todo o processo de tomada de decisões envolvendo a saúde dos enfermos por seu maior conhecimento científico e terapêutico. Esse paternalismo médico perdurou até a década de 1970 aproximadamente e tem dado lugar, felizmente, a um respeito cada vez maior pela autonomia dos pacientes. O primeiro passo para isso ocorrer deu-se, principalmente, graças às contribuições decorrentes do surgimento da medicina paliativa, que se propôs a uma nova administração do processo do morrer com o controle da dor, a atenção ao estado psicológico do enfermo e de sua família e aprioridade por suas necessidades sociais e espirituais, sempre com o objetivo deoferecer mais dignidade ao paciente em estado terminal.
Nesse contexto, as normas éticas passaram a atuar, cada vez mais, como princípios norteadores da relação médico-paciente, que também influenciam na concepção de um ramo de estudo denominado de bioética. Surgem paulatinamente novas demandas por uma participação maior do paciente no acompanhamento e na tomada de decisões que envolvam os tratamentos de saúde. Nas palavras de Roxana Borges (2007, p. 231), “hoje se reivindica a reapropriação da morte pelo próprio doente. Há uma preocupação sobre a salvaguarda da qualidade de vida da pessoa, mesmo na hora da morte”.
Eduardo Dantas (2022, p. 451) discorre:
É preciso sinalizar de maneira inequívoca se o respeito a autonomia é pedra angular da relação médico-paciente, ou se a decisão, a opinião, ou em última análise, a dignidade do paciente, pode ser relativizada ao sabor da contrariedade do médico, ao não concordar com o direito daquele primeiro à autodeterminação.
Se este for o caminho, ainda assim haverá necessidade de modular as consequências, uma vez que tal caminho contraria a legislação, ofendeprincípios bioéticos já historicamente assentados, e se põe em rota de colisão com o próprio Código de Ética Médica.
Impõem-se, portanto, uma correção de rumos, em prol de um diálogo mais produtivo entre o Direito e a Medicina, em respeito ao paciente e aos médicos, uma vez que ao possibilitar a atuação com transparência, regras claras e segurança jurídica ganham todos, reforçando a tão almejada humanização da assistência em saúde, minimizando riscos de uma desnecessária judicialização.
3.6. Dos conceitos de eutanásia, de morte assistida, de distanásia e de ortotanásia
A ampliação dos debates sobre a participação dos pacientes no processo da terminalidade de vida e os limites da autonomia individual são temas que envolvem, necessariamente, os conceitos da morte assistida, da eutanásia, da distanásia e da ortotanásia.
Segundo Roxana Borges (2005, p. 6), o primeiro sentido da palavra eutanásia, do grego euthanatos, significava “boa morte” ou morte sem dor, referindo-se aos atos de tornar mais “doce” o fim da vida, mediante o controle dos sofrimentos psicológico e físico, tal como ocorre na medicina paliativa. A palavra deriva da junção dos vocábulos gregos eu, cujo significado é bem, bom e thanatos, que quer dizer morte. Essa noção, no entanto, foi sendo substituída por uma ideia de interferência, de modo que, atualmente, “tem se falado de eutanásia como uma morte provocada por sentimento de piedade à pessoa que sofre. Ao invés de deixar a morte acontecer, a eutanásia, no sentido atual, age sobre a morte, antecipando-a” (BORGES, 2005, p. 6).
Heloísa Barboza (2010, p. 41-42) distingue alguns tipos diferentes de eutanásia, podendo ser ativa, envolvendo uma ação propriamente dita do médico, como a administração de uma injeção letal; ou passiva, caracterizando-se pela omissão de recursos, como algum medicamento; e voluntária, atendendo ao pedido formulado pelo doente/paciente; ou involuntária, promovida sem o consentimento expresso.
A morte assistida, assim como a eutanásia, é uma forma de auxílio promovida por terceiros, normalmente pela equipe médica, ao adiantar a morte de pacientes com a saúde comprometida. Diferenciam-se no sujeito que pratica a ação que causa diretamente o sacrifício da vida. No primeiro caso, o próprio paciente é quem age, através de meios materiais recomendados ou fornecidos por outra pessoa – prescrição de drogas letais, por exemplo. Já na eutanásia, são terceiros que praticam uma conduta que induz o óbito. Embora decorram de um sentimento nobre de piedade, qual seja, poupar o paciente do sofrimento, ambas as condutas são consideradas ilícitas em nosso ordenamento jurídico, entendendo-se a eutanásia como incursa no tipo penal de homicídio (Código Penal [CP], Lei n.º 2.848, de 07 de dezembro de 1940, art. 121) e a morte assistida como o crime de auxílio a suicídio (CP, art. 122). O máximo que se vê, a depender do caso, é o abrandamento da pena pelo juiz, reduzindo-a de um sexto a um terço em função do valor moral que motivou o agente.
A distanásia, por sua vez, representa a manutenção artificial da vida. Ocorre quando a equipe médica continua valendo-se de meios extraordinários para postergar a morte ao seu máximo, mesmo que ela seja iminente e irreversível. Nas palavras de Maria Helena Diniz (2002, p. 316), “trata-se do prolongamento exagerado da morte de um paciente terminal ou tratamento inútil. Não visa a prolongar a vida, mas, sim, o processo de morte”.
Essa obstinação terapêutica não oferece ao paciente chances de cura ou de sobrevida plena e, na maioria das vezes, acaba por intensificar seu sofrimento e o de seus familiares. Embora tal ação não seja considerada crime no Brasil, é reprovável eticamente, principalmente de acordo com os princípios da bioética que, atualmente, orientam a medicina (BARROSO; MARTEL, 2010, p. 25). Com a finalidade de evitar adistanásia, pratica-se a ortotanásia, do grego ortothanatos, que significa, etimologicamente, permitir a morte no tempo certo. Refere-se justamente ao ato a junção das palavras orto (certo) e thanatos (morte). Ato de dispensar tratamentos artificiais, que prolonguem a vida do paciente, quando não há mais possibilidade de recuperação, deixando que a morte se dê em seu tempo natural, evitando, assim, a prolongação de seu sofrimento.
Roxana Borges (2005, p. 8) ressalta que a ortotanásia é praticada exclusivamente pelo médico. Para ocorrer, é necessária a segurança no prognóstico de impossibilidade de cura e de morte inevitável, eis que, sem essa certeza, poder-se-ia incorrer na prática da eutanásia passiva. Fica evidente a semelhança entre a eutanásia passiva e a ortotanásia, cabendo uma análise acerca da diferenciação que a doutrina oferece desses dois conceitos. Luciana Dadalto (2013, p. 56) entende que, “enquanto na primeira se abstém de realizar os tratamentos ordinários mais conhecidos pela Medicina como cuidados paliativos, na segunda se abstém de realizar tratamentos extraordinários(fúteis), suspendendo os esforços terapêuticos”.
Em outras palavras, a eutanásia passiva ocorre quando o processo da morte ainda não está instado e o médico menospreza as possibilidades terapêuticas de cura ou de sobrevida útil, abstendo-se de tratamento essencial ao paciente com o fim de adiantar sua morte e poupá-lo da agonia que lhe acomete. No caso da ortotanásia, no entanto, o profissional de saúde, quando suspende os cuidados médicos, só o faz diante de uma morte que já é certa e evidente, deixando que ela ocorra no seu tempo.
Em síntese, a ortotanásia representa uma consideração ética pela vida do paciente, tendo em vista que, nas palavras de Roxana Borges (2005, p. 3), “o prolongamento artificial do processo de morte é alienante, retira a subjetividade da pessoa e atenta contra sua dignidade enquanto sujeito de direito”. Não se cuida de uma renúncia do direito à própria vida nem da escolha pela hora da morte, trata-se, na verdade, de uma opção do paciente por passar os seus últimos momentos com mais conforto e dignidade.
3.7. Do consentimento livre e esclarecido do paciente
De acordo com as explicações oferecidas no último tópico, a discussão sobre a eutanásia e a ortotanásia coloca dois direitos do paciente em destaque: o direito de morrer e o direito à morte digna. O direito de morrer envolve, de certa maneira, a liberdade e o poder de autodeterminação de cada um para fazer uma escolha pessoal, que é a de tirar a própria vida. Dessa forma, nem o Estado ou terceiros não podem impedir isso. Nesse sentido, não há como penalizar o suicídio, nem evitar efetivamente que alguém o tente. Contudo, verificou-se que o direito brasileiro, com respaldo na inviolabilidade da vida, garantida no art. 5º, caput, da Constituição Federal, proíbe que terceiros sejam responsáveis ou auxiliem alguém a cometer suicídio, ainda que para aliviar sofrimentos físicos ou psíquicos de uma enfermidade, tipificando as condutas da eutanásia e da morte assistida, anteriormente conceituadas.
Sob esse aspecto, não é possível afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro tutela um direito de morrer, como uma obrigação oponível a terceiros de serem coniventes com o adiantamento da morte fora do seu tempo natural. Quando se justifica a permissão e até mesmo a defesa da ortotanásia, no entanto, parece óbvio que o direito trata da morte digna como uma prerrogativa inerente ao paciente e de respeito obrigatório perante todos.
De acordo com Roxana Borges (2005, p. 5):
A tentativa de suicídio não é crime, pois o Estado não pretende aumentar o sofrimento daquele que tentou o suicídio. O direito de morrer dignamente (…) refere-se ao desejo de se ter uma morte natural, humanizada, sem o prolongamento da agonia por parte de um tratamento inútil. Isso não se confunde com o direito de morrer. (…) Defender o direito de morrer dignamente não se trata de defender qualquer procedimento que cause a morte do paciente.
É de conhecimento público que há quem defenda a ideia de que uma morte digna deve conceber, necessariamente, o respeito à autonomia privada do paciente de escolher a hora em que quer morrer, não como mera autonomia subjetiva da vontade, mas como um verdadeiro poder jurídico de autorregulamentação oponível a terceiros, de forma que a proibição da eutanásia também representaria uma ofensa à dignidade desse indivíduo. Nas palavras de Roxana Borges (2005, p. 4), “a intervenção terapêutica contra a vontade do paciente é um atentado contra sua dignidade”.
O ordenamento jurídico brasileiro, assim como em diversos outros países, optou por colocar o direito à vida sob melhor guarida que a dignidade, seja ela entendida, neste específico ponto, como a garantia pelo não sofrimento ou pela autonomia para decidir quando morrer. Desse modo, o princípio da dignidade, mesmo que atue também como valor intrínseco aos demais direitos fundamentais, não é absoluto e está passível de certa relativização em situações concretas.
Barroso (2012, p. 64) explica que “embora seja razoável afirmar que a dignidade humana normalmente deve prevalecer, existem situações inevitáveis em que ela terá de ceder, ao menos parcialmente”.
No que diz respeito à ortotanásia, de outro lado, não parece correto supor a existência desse conflito entre as referidas garantias fundamentais, tendo em vista que a suspensão de tratamentos médicos fúteis, repita-se, não configura a causa da morte, inexistindo ofensa ao direito à vida. “O princípio da não- futilidade exige o respeito pela dignidade da vida” (BORGES, 2005, p. 4). Nada justifica, dessa forma, a obrigação de um profissional de saúde em sustentar cuidados extraordinários, que apenas mantêm o corpo biológico em funcionamento quando a vida em si já se esvaiu.
A ortotanásia, nesse sentido, é medida que se impõe não apenas como uma atitude ética do médico, mas como expressiva defesa à dignidade do paciente diante da morte. O ideal, se ocorrida com o consentimento do paciente, seja no momento presenteou por meio de declaração prévia de vontade.
4. AS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE (DAVS)
4.1. Do conceito e das modalidades
Diretivas Antecipadas de Vontade são institutos jurídicos capazes de conferir força à vontade do paciente que se encontra impossibilitado de expressar qualquer preferência sobre o fim da sua vida. São documentos elaborados previamente a um estado de incapacidade cognitiva, em que o indivíduo expressa sua anuência ou discordância acerca de tratamentos extraordinários, que prolonguem o processo da morte, ou, então, escolhe alguém que possa decidir em seu lugar.
Nesse sentido, explica Dadalto (2022, p. 19): “Atualmente, as DAV não tratam apenas de desejos para o fim de vida, sendo entendidas como documentos de manifestação de vontade prévia que terão efeito quando o paciente não conseguir manifestar livre e autonomamente sua vontade.”
É interessante destacar a importância do profissional da medicina na sua relação com o paciente e o momento de determinar que ele não é mais capaz de decidir sobre seus cuidados.
Além das DAVs, existem muitos outros instrumentos jurídicos, previstos no direito estrangeiro, em que se pode expressar, antecipadamente, escolhas individuais sobre os mais diversos procedimentos médicos, não só no estágio final, mas em outras circunstâncias de saúde. No entanto, no Brasil o conhecimento é muito pequeno, o que dificulta demais a sua aplicação e a eficácia jurídica.
Neste trabalho, adotou-se a exposição didática de Luciana Dadalto acerca do tema, que considera, a partir do modelo americano, duas as espécies de DiretivasAntecipadas de Vontade do paciente em estado terminal: o Testamento Vital e oMandato Duradouro.
O Testamento Vital adquiriu diversos nomes ao ser tratado pela doutrina brasileira, consequência das muitas possibilidades de tradução da nomenclatura americana living will, que foi a pioneira do instituto. Algumas das terminologias adotadas, além de Testamento Vital, são Testamento Biológico, Manifestação Explícita de Própria Vontade, declarações prévias de vontade e instruções prévias, entre outros.
De acordo com a definição de Luciana Dadalto (2014, p.9):
O testamento vital é um documento, redigido por uma pessoa no pleno gozo de suas faculdades mentais, com o objetivo de dispor acerca dos cuidados, tratamentos e procedimentos que deseja ou não ser submetida quando estiver com uma doença ameaçadora da vida, fora de possibilidades terapêuticas e impossibilitado de manifestar livremente sua vontade.
A autora considera a expressão “testamento vital” inadequada, visto que não se trata de um documento com eficácia post mortem, mas, sim, durante a vida do paciente, sendo equivocado relacionar o instituto com o testamento civil tradicional. Na tentativa de encontrar uma nomenclatura mais adequada ao documento, Luciana Dadalto (2010, p. 5) propõe o seguinte:
Chegou-se ao nome ‘declaração prévia de vontade para o fim da vida’, por meio de verificação de que o documento comumente chamado de “testamento vital” é, na verdade, uma declaração de vontade que será utilizada pelo paciente em estágio de fim de vida, mas que deve ser manifestada previamente à esta situação.
Joaquim Clotet (2003, p. 84), por sua vez, ao adotar a nomenclatura “ManifestaçãoExplícita de Própria Vontade” (MEPV), assim conceitua:
A MEPV abrange o tratamento médico que seria desejado, assim como a recusa de possíveis tratamentos específicos, em estados de inconsciência ou de demência irreversíveis, ou na situação de paciente terminal por causa de doença ou acidente. Esta é a forma mais generalizada para fazer, manter ou tornar efetivas decisões sobre futuros estados de saúde com incapacidade de decisão.
A partir das definições acima elencadas, é possível extrair algumas conclusões sobre o testamento vital, que, depois de feito, vincula a equipe médica, os familiares e o próprio Estado no cumprimento de suas disposições. Ele ganha eficácia apenas quando sobrevier a terminalidade de vida marcada pela inconsciência, ou seja, não é aplicável a toda e qualquer doença terminal ou momento de inconsciência, mas deve preencher essas duas circunstâncias juntas. O testamento vital não dispõe de opções do paciente, expressas de antemão, por todo o tipo de tratamentos médicos na manutenção da saúde, mas refere-se, tão somente, à eleição de procedimentos que prolonguem artificialmente a sua vida, isto é, à opção ou não pela prática da ortotanásia.
Já a segunda espécie, o Mandato Duradouro, que também deriva do modelo norte-americano, especificamente do instituto intitulado “durable power of attorney for health care”, trata-se de uma procuração, em que o paciente confere poderes a uma ou mais pessoas para tomar decisões médicas em seu lugar, quando impossibilitado de fazê-lo por conta própria, ou seja, na superveniência da incapacidade cognitiva.
Para Matheus Mabtum e Patrícia Marchetto (2015, p. 117):
O mandato duradouro consiste na outorga de procuração referente aos cuidados com a saúde, portanto com poder duradouro, em que se nomeia um representante para tomar as providências cabíveis em nome do paciente não apenas em situações de terminalidade. Por meio do mandato duradouro, podem ser nomeados um ou mais procuradores para auxiliar os médicos na decisão de aceitar ou recusar um tratamento, em nome do mandante, se este estiver incapacitado para manifestar seu desejo. A decisão deverá sempre ser alicerçada nos valores e nos desejos dele.
Perante o exposto, fica claro que o Mandato Duradouro não é aplicável apenas nas situações de terminalidade de vida. É que, assim como ocorre com qualquer procuração tradicional, na qual se descreve a circunstância em que o mandatário agirá como substituto, conferindo poderes mais amplos ou mais restritos a alguém, no Mandato Duradouro, o outorgado pode receber o direito de ser consultado pelo médico a respeito de qualquer decisão ou somente quando se tratar de tratamentos extraordinários na iminência de morte do paciente.
Em que pese tratarem-se de Diretivas Antecipadas de Vontade do paciente terminal, o Mandato Duradouro pode ser aplicado em outras situações diversas, por exemplo, na perda temporária da consciência. Cabe definir, por fim, quem pode ser nomeado procurador, se apenas pessoas próximas e afeitas ao paciente, tais como seus parentes e amigos – que conhecem melhor as suas vontades e interesses – ou se terceiros, entre eles o juiz, seu advogado ou médico, também poderiam assumir essa responsabilidade.
Por fim, cabe definir quem pode ser nomeado procurador, se apenas pessoas próximas e afeitas ao paciente, tais como seus parentes e amigos, por conhecerem melhor as suas vontades e interesses ou se terceiros, entre eles o juiz, seu advogado ou médico, também poderiam assumir essa responsabilidade.
Se o outorgado se recusa a cumprir os interesses conhecidos do paciente por convicções próprias, valores morais e religiosos ou mesmo por apego emocional, suas decisões poderão ser invalidadas. A melhor vantagem do Mandato Duradouro é a sua flexibilidade, havendo uma maior adequação entre a vontade do paciente, representada pelo outorgado, e o estágio de desenvolvimento técnico e científico da medicina. Dessa forma, o recomendável, para evitar qualquer dúvida ou revogação das DiretivasAntecipadas de Vontade, é fazê-la incluindo as duas modalidades, o Testamento Vital e o Mandato Duradouro.
4.2. Breves considerações sobre a experiência no Direito Comparado
As Diretivas Antecipadas de Vontade surgiram no mundo, em 1967, nos Estados Unidos da América, como proposta da Sociedade Americana para a Eutanásia de um “documento de cuidados antecipados, pelo qual o indivíduo poderia registrar seu desejo de interromper as intervenções médicas de manutenção da vida” (DADALTO, 2008, p. 519).
Um novo modelo sobreveio logo em seguida, em 1969, na espécie de testamento vital, sugerido por Luis Kutner (1969, p. 539-554), em artigo denominado “O devido processo da eutanásia: O testamento vital, uma proposta”. O autor, em seu texto, aponta o “living will” como uma solução para que a equipe médica, ao suspender tratamentos médicos em doenças terminais sem cura, não seja responsabilizada penalmente pela prática de homicídio. Ambas as propostas originais, defendendo a possibilidade de dispor, nas Diretivas Antecipadas de Vontade, até mesmo sobre a eutanásia, foram adaptadas para permitir, na maioria dos estados americanos, apenas a opção pela ortotanásia.
A primeira manifestação judicial norte-americana que tocou no tema do testamento vital surgiu com o caso Karen Ann Quinlan, ocorrido em New Jersey, no ano de 1973, em que a Suprema Corte desse estado reconheceu a preeminência da vontade da jovem paciente perante as escolhas médicas por tratamento extraordinário de sua saúde. Os pais adotivos de Karen Ann Quinlan entraram na justiça para requerer a suspensão do esforço terapêutico no tratamento da filha, alegando ser essa a vontade dela manifestada antes de entrar em coma e se encontrava em quadro clínico de inconsciência irreversível. O pedido foi negado em primeira instância, mas deferido pela Suprema Corte de New Jersey. Mesmo com o desligamento dos aparelhos, Karen ainda sobreviveu 9 anos no mesmo estado de saúde.
Nesse mesmo ano, devido à repercussão dessa jurisprudência, a Faculdade de Direito da Universidade de Yale, na Califórnia, propôs a edição da primeira lei tratando do instituto, o Natural Death Act, seguido de um guia elaborado por associações médicas californianas (“Guidelines and Directive”), instruindo o uso adequado de técnicas de prolongamento artificial de vida.
Embora com previsão no âmbito estadual, o “living will” só foi adquirir status de lei federal, nos EUA, a partir do “The Patient Self Determination Act” (PSDA), editado em 1990 e promulgado em dezembro de 1991. O PSDA previu a obrigação dos hospitais e/ou casas de saúde de providenciar, no momento da internação de adultos capazes, as “advances directives”, informações escritas sobre quais seriam as preferências do paciente sobre decisões no fim da vida em caso de perda da consciência.
Essas “advances directives”, entendidas por Luciana Dadalto (2010, p. 64) como as Diretivas Antecipadas de Vontade, ficaram divididas em duas espécies em referido dispositivo legal: o “living will” (testamento vital) e o “durable power of attorney for health care” (mandato duradouro). Esse é o marco normativo que fundamentou a divisão conceitual da autora, adotada no presente trabalho.
A autora aponta dados do Ministério da Saúde estadunidense, demonstrando que somente 25% a 30% dos cidadãos norte-americanos utilizam as DAVs e menciona:
Autores justificam essa baixa adesão à falta de conhecimento do tema pela população, à falta de interação entre médico e paciente, à impossibilidade de se predizer o que o paciente desejará diante de um diagnóstico fatal, à dificuldade dos indivíduos de transferirem seus desejos para um documento, à utilização de termos genéricos e ao custo da elaboração do documento, entre outros motivos. (DADALTO, 2015, p. 31)
De fato, é muito importante uma maior interação entre o médico e o paciente, fornecendo maiores esclarecimentos que possam possibilitar uma tomada de decisão do indivíduo quanto às Diretivas Antecipadas de Vontade.
Os Estados Unidos contam com outros documentos voltados ao registro das manifestações de vontade do paciente para serem utilizados em diversos momentos de vida, não apenas no estado terminal de uma doença. Sendo um dos mais empregados, o “Physician Orders for Life-Sustaining Treatment” (POLST).
Com relação às formalidades do documento norte-americano de DAV, notadamente o Testamento Vital, exige-se que ele seja feito por pessoa maior de idade e capaz, escrito e assinado na presença de duas testemunhas, vindo a ter validade após 14 dias de sua elaboração, a fim de que o outorgante tenha um prazo considerável para mudar sua decisão. No entanto, o arrependimento e a posterior revogação do documento também podem ocorrer a qualquer outro momento, mesmo passados os dias de vacância. O cumprimento das diretrizes ali expostas, por sua vez, requer a confirmação por dois médicos de que o paciente realmente se encontra em estado terminal, segundo o modelo adotado nacionalmente (DADALTO, 2015, p. 190).
Quanto à possibilidade de dispor sobre a eutanásia, a prática é permitida somente em seis estados, quais sejam, Washington, Oregon, Vermont, Novo México, Montana e Califórnia. Nos demais, é considerada inválida a escolha de pacientes por adiantar a morte.
No continente europeu, o tratamento normativo das Diretivas Antecipadas de Vontade inaugurou-se na Finlândia, na Holanda e na Hungria, na década de 1990, após a promulgação da PSDA (lei norte-americana).
Outros países da Europa só vieram a reconhecer um direito às DAVs após a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano em face às Aplicações da Biologia e da Medicina, também intitulada Convenção de Oviedo, realizada na Espanha em 1997. Essa convenção preconizou o dever de respeito pela vontade anteriormente manifestada pelo paciente quando ele já não puder mais fazê-lo. Nos seguintes termos, seu art. 9º preconiza que “(…) serão levados em consideração os desejos expressados anteriormente pelo paciente, que dizem respeito à intervenção médica, quando este, no momento da intervenção, não puder expressar sua vontade”.
A referida diretriz foi acrescentada à legislação nacional da Bélgica em agosto de 2002, sendo o primeiro a fazê-lo após o Convênio de Oviedo. Importante destacar que na Bélgica, bem como na Holanda, o testamento vital pode prever, inclusive, a opção pela eutanásia e em momento diverso do estado terminal de saúde. A prática é legalizada nesses países.
Em novembro de 2002, a Espanha reconheceu nacionalmente as “instrucciones previas” (DAVs) por meio da “Ley de Autonomía del Paciente” (Ley 41/2002), cuja constitucionalidade já foi, inclusive, confirmada pelo “Consell Consultiu de la Generalitat” de Barcelona. Importante destacar, que o registro das Instruções Prévias e sua regulamentação específica variam em cada comunidade autônoma. Em todas as comunidades autônomas espanholas, exige-se o documento na forma escrita, a anexação ao prontuário médico e a nomeação de um procurador.
Na Alemanha, a previsão das Diretivas Antecipadas de Vontade (“Patientenverfügungen”) foi incluída formalmente no Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch – BGB) em 2009, quando lhe foram aditados os §§ 1901 a1904. Em 2010, os referidos artigos tiveram sua validade confirmada pelo Tribunal Federal alemão. O Código Civil alemão prevê que o médico, antes de seguir a determinação prévia de vontade do paciente, deve verificar se ela é atual, podendo ser revogada pelo autor a qualquer tempo, independentemente de forma ou de requisito. Caso não existam DAVs ou o documento não estiver atualizado, a equipe médica ainda assim deve se esforçar para cumprir a vontade do paciente, mesmo que presumida, consoante critérios concretos, a partir de convicções religiosas, pessoais ou étnicas.
É admitida a manifestação dos parentes ou de pessoas próximas do paciente para a aferição dessa vontade real ou presumida, desde que isso não implique em demora no tratamento. Importante se faz destacar que a eutanásia não é legalizada na Alemanha, mas que é permitido ao médico prescrever uma mistura letal a pedido do paciente – suicídio assistido.
Já Portugal ratificou o Convênio de Oviedo através da Resolução da Assembleia da República Portuguesa n.º 1/2001, vindo a promulgar lei nacional sobre a matéria por meio da Lei n.º 25/2012, que trata as DAVs como sinônimo de testamento vital. Vale destacar uma importante inovação: a previsão do prazo de validade de 5 anos para o documento, devendo ser ratificado após esse período, condizendo com a vontade mais atualizada do paciente.
A Lei portuguesa também previu a criação de um registro nacional (RENTV), criado pelo Ministério da Saúde português em 2014. O portal do Ministério na internet disponibiliza um modelo facultativo de testamento vital, que pode ser preenchido on-line por qualquer cidadão e levado a um Agrupamento de Centros de Saúde ou a uma Unidade Local de Saúde, que salvará o documento no banco de dados do RENTV.
Foi divulgado, em 15 de abril de 2022, pelo jornal Publico.pt que só há 33 mil pessoas com um testamento vital válido registado em Portugal e que, no primeiro ano da pandemia, o número de Diretivas Antecipadas de Vontade caiu muito, mas que, em 2021, voltou a aumentar. O presidente da Associação Portuguesa de Bioética defende que a lei deve ser alterada para aumentar a adesão aos testamentos vitais.
No caso da França, em que pese já existir legislação sobre as DAVs desde 2002, tratava-se de diploma legal muito vago e que não vinculava os médicos ao cumprimento das manifestações prévias de vontade do paciente terminal. Essa vinculação só ocorreu através da Lei n.º 2016-87, que trata especificamente da matéria e altera o Código Civil francês para introduzir a previsão das DAVs. Dentre as novidades propostas na época pela legislação francesa, destacam-se a possibilidade de elaboração de um documento de DAVs por incapazes, desde que mediante autorização judicial; e a previsão de dois modelos já na própria lei, um para o preenchimento por pessoas saudáveis e outro para aquelas que já estejam acometidas por doença grave em estágio terminal. É notório que ambos ganham eficácia apenas no fim da vida marcado pela inconsciência, criam um registro nacional e preveem a revogabilidade das DAVs a qualquer tempo.
É importante, ainda, destacar o caráter vinculante da legislação francesa: as DAVs vinculam os médicos, que precisam levar em conta a vontade escrita pelo paciente para investigação, intervenção ou tratamento. Os médicos podem não seguir as DAVs quando o caso for urgente e não houver tempo para avaliar completamente a situação ou quando entenderem que a vontade do paciente é manifestamente inadequada à situação clínica dele. A decisão de não seguir as DAVs devem ser tomadas por um órgão colegiado e deve estar anotada no prontuário.
A Itália, em dezembro de 2017, aprovou a Lei n.º 219/2017, conhecida como testamento biológico ou biotestamento, que tem por finalidade precípua tutelar a liberdade da pessoa de rejeitar total ou parcialmente o tratamento a que vem sendo submetida. A Lei italiana prevê a Disposição Antecipada de Tratamento (DAT), em que a pessoa maior de idade e com saúde mental compatível pode antecipar futura incapacidade de autodeterminação. Dessa forma, pode ser elaborado um documento com tal finalidade, podendo-se, ainda, nomear um representante para agir em seu nome. O médico, diante de tal documento, vê-se obrigado a respeitar a vontade do paciente, não só para recusar o tratamento, como também para renunciar a ele, observando que, pela legislação italiana, a nutrição artificial e a hidratação fazem parte dos tratamentos ofertados.
Na América Latina, promulgaram-se leis referentes às DAVs em Porto Rico, Argentina, México, Uruguai e Colômbia. No Brasil não há legislação sobre o tema, apenas Resolução do Conselho Federal de Medicina.
Porto Rico foi o primeiro país a regulamentar, na América Latina, a declaração prévia de vontade em relação a tratamentos médicos em casos de saúde terminal ou estado vegetativo persistente. A lei atende ao direito de intimidade e reconhece a autonomia do indivíduo, em consonância com a constituição do país, que atesta o caráter inviolável da dignidade humana.
Em 2001, foi aprovada a Lei n.º 160, que permite a maiores de 21 anos em pleno gozo de suas faculdades mentais declarar-se sobre os tratamentos aos quais querem ou não ser submetidos quando estiverem em condição terminal ou em estado vegetativo persistente. Possibilita, ainda, nomear um procurador. As DAVs devem ser registradas em cartório, podendo igualmente ser declarada na presença do médico e de duas testemunhas que não sejam herdeiras. A Lei vincula o médico e a instituição de saúde à execução do documento. Uma peculiaridade dessa Lei, é que estabelece que, caso a paciente esteja grávida, a diretiva só será executada após o nascimento do bebê.
Na Argentina, as diretivas foram instituídas primeiramente nas províncias e posteriormente em âmbito federal. Em 2004, o Conselho Diretivo de Escrivães da província de Buenos Aires aprovou o Registro dos Atos de Autoproteção e Prevenção de Eventual Incapacidade, sendo forma de legalizar o testamento vital na província. Em 2007, Rio Negro tornou-se a primeira província a instituir o direito às DAVs de fato, pela Lei n.º 4.263, Ley de Voluntad Anticipada. Em 2008, foi a vez de Neuquén com a Lei n.º 2.611 e, em outubro de 2009, foi promulgada a Lei Federal n.º 26.529.
Questões referentes à autonomia do paciente dificultaram a aceitação do documento, requerendo nova discussão no parlamento para elaboração de outra lei que assegurasse esse direito11. Pressionados pela população, que debatia os casos de Selva Hebrón e Melina Gonzalez, os legisladores promulgaram, em 2012, a Lei n.º 26.742, modificando alguns artigos do diploma anterior. De acordo com essa Lei, as diretivas podem ser elaboradas por pessoa maior de idade que seja capaz, dispondo sobre consentimento ou recusa de tratamento médico preventivo ou paliativo. A não ser que impliquem práticas que levem à eutanásia, o médico assistente está obrigado a aceitá-las. As DAVs deverão ser formalizadas por escrito, diante de duas testemunhas, e registradas por escrivão público ou juizado de primeira instância, podendo ser revogadas pelo paciente a qualquer momento. Essa Lei também salvaguarda o profissional, advertindo claramente que ninguém que tenha agido conforme as diretivas será responsabilizado civil, penal ou administrativamente.
O texto legal foi muito criticado, entre vários aspectos, por não abranger menores de idade com discernimento, não criar registro nacional e não estabelecer a forma do documento. Apesar das críticas e dos problemas levantados quanto à execução do documento, é importante ressaltar que no país existe lei federal que regula a existência e a utilização das Diretivas Antecipadas de Vontade.
No México, a Ley de Voluntad Anticipada foi promulgada em 2008. Ela estabelece que o documento poderá ser elaborado por qualquer indivíduo capaz, enfermo em etapa terminal diagnosticada e também por familiares, quando o paciente se encontrar inequivocamente impedido de se manifestar e deve ser redigido e assinado em cartório. Se o paciente estiver impossibilitado de ir ao local, o documento poderá ser elaborado diante dos profissionais de saúde e de duas testemunhas e, em seguida, enviado para registro.
Parentes até o quarto grau não podem ser testemunhas, assim como pessoas que não compreendam a língua do paciente, condenadas por falso testemunho e menores de 16 anos. Um representante, cargo voluntário e não remunerado, mas compulsório depois de aceito, será nomeado. Seu dever é garantir que as disposições sejam cumpridas de forma exata, não exercendo a função de decisor substituto.
O documento poderá ser revogado a qualquer momento pelo paciente e, em casos de duplicidade, valerá o mais recente. O registro também poderá conter indicações sobre transplante de órgãos e de tecidos. O paciente deve informar à equipe de saúde sobre a existência das diretivas e esses profissionais deverão acatar as decisões nos termos prescritos. Caso as diretivas declaradas no documento sejam incompatíveis com os princípios éticos, morais ou religiosos do profissional de saúde, ele tem o direito de declarar objeção de consciência para se eximir da demanda. A Secretaria de Saúde será responsável por garantir e fiscalizar as instituições de saúde para que haja disponibilidade de pessoal qualificado e não objetor, a fim de que as diretivas sejam atendidas. É expressamente vedada a eutanásia.
Já o Uruguai, através da Lei n.º 18.473, de abril de 2009, autorizou a declaração antecipada de vontade no território uruguaio, que foi regulamentada pelo Decreto n.º 385/2013. De acordo com o texto legal, o paciente pode expressar antecipadamente sua vontade de se opor à futura aplicação de tratamentos e de procedimentos médicos que prolonguem sua existência em detrimento da sua qualidade de vida. Essa manifestação restringe-se apenas aos casos de doença incurável, irreversível e em estado terminal.
O documento pode ser redigido por maiores de 18 anos, psiquicamente competentes, e a recusa ao tratamento ou ao procedimento só será válida se não afetar a vida de terceiros. Um representante deve igualmente estar indicado no documento, que, para ser reconhecido, deve estar assinado, ter sido testemunhado por duas pessoas sem vínculo com o médico assistente e elaborado de acordo com o formulário regulamentado pelo decreto. Deverá, ainda, ser registrado em cartório e incluído na história clínica do paciente. A declaração pode ser revogada a qualquer momento pelo paciente de forma verbal ou escrita.
É muito importante observar que o médico responsável deverá comunicar à comissão de bioética da instituição – caso exista – todos os casos de suspensão de tratamento de que trata essa Lei para que sejam analisados em até 48 horas após o recebimento, podendo levar ao não cumprimento das diretivas. Caso a comissão não se pronuncie, a suspensão será considerada tacitamente aprovada.
Na Colômbia, o tema das DAVs foram tratadas no código que regulamenta o acesso aos cuidados paliativos. A Lei n.º 1.733/2014 (última atualização em 31 de agosto de 2022), conhecida como Ley Consuelo Devis Saavedra, determina que enfermos em fase terminal, crônica, degenerativa e irreversível têm direito às informações sobre sua doença e tratamento, à segunda opinião profissional, aos cuidados paliativos, a participar de forma ativa das decisões e a elaborar diretivas antecipadas. Estabelece que para registrar as DAVs é necessário ser maior de idade, estar em pleno uso das faculdades legais e mentais, saudável ou enfermo, e compreender as implicações do documento. Porém, não indica o procedimento para registro, não esclarece as diretivas permitidas ou se há prazo de validade. Além dos direitos dos pacientes, informa os deveres dos médicos e as obrigações das instituições de saúde pública e privada e permite ainda que o paciente disponha dos órgãos para doação no mesmo documento.
4.3. O tratamento da matéria na Constituição e nas leis brasileiras
Há poucas discussões sobre o assunto no Brasil e, por ser ignorada por políticos, deixa um vazio na legislação, criando certa insegurança nos profissionais de saúde. As DAVs nunca foram especificamente regulamentadas no âmbito jurídico, mas, apesar da pouca atenção dada ao tema, há diversas referências ao direito à recusa de tratamento na nossa legislação.
A Constituição Federal de 1988 apresenta, em seu artigo 1º, inciso III, o conceito de dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República e, em seu artigo 5º, inciso II, estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Com o mesmo espírito de assegurar dignidade e liberdade, a Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003, conhecida como Estatuto do Idoso, afirma em seu artigo 17 que “ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais é assegurado o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável”.
O Código Civil (CC), Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, ainda afirma, em seu artigo 15, que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. Esse dispositivo traduz a clara expressão da autonomia do paciente mediante os tratamentos a serem administrados. A interpretação desses conceitos pode embasar a defesa da validade das DAVs no nosso ordenamento jurídico.
Na esfera estadual existe, em São Paulo, a Lei n.º 10.241, Lei Mário Covas, de 17 de março de 1999, cujo inciso XXIII do artigo 2º assegura aos usuários do serviço de saúde estadual o direito de “recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida”. A garantia desse direito ecoa no Paraná pelo inciso XXIX do artigo 2º da Lei n.º 14.254, de 04 de dezembro de 2003 e, em Minas Gerais, pelo artigo 2º, inciso XXI, da Lei n.º 16.279, de 20 de julho de 2006. Apesar da legislação possibilitar a disposição antecipada de tratamento, nenhum artigo dessas Leis garante qualquer direito ao paciente, caso ele esteja inconsciente ou impossibilitado de manifestar sua vontade. Igualmente, não orientam a respeito de qualquer documentação que respaldeesse direito.
4.4. A Resolução n.º 1.805/2006 do CFM
Em 2006, o CFM editou uma resolução tratando especificamente sobre a ortotanásia, trazendo, logo em seu preâmbulo, a afirmação de que, em situações de terminalidade de vida irreversíveis, “é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente”. Essa possibilidade, evidentemente, deve ser compatível com a vontade do paciente ou de seu representante legal.
Assim, dispôs a Resolução CFM n.º 1.805/2006 (Publicada no D.O.U. em 28 de novembro de 2006, Seção I, pg. 169):
Art. 1º – É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.
§ 1º – O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.
§ 2º – decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.
§ 3º – assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.
A regulamentação em destaque se deu apenas no âmbito de atuação dos profissionais da área de saúde, eis que se trata de um ato administrativo do CFM. Devido a isso, em 09 de maio de 2007, o Ministério Público Federal ingressou com a Ação Civil Pública n.º 2007.34.00.014809-3, na 14ª Vara Federal do Distrito Federal, alegando que somente uma lei em sentido próprio poderia tratar do tema e que, na ausência de previsão legal autorizando, expressamente, a prática da ortotanásia, ela fica inserta no tipo penal de homicídio (CP, art. 121), não cabendo ao CFM permitir tal conduta. Ao apreciar o pedido de medida cautelar deduzido na inicial, em 23 de outubro de 2007, o juiz federal alinhou-se ao posicionamento do MP e suspendeu a eficácia da Resolução n.º 1.805/2006.
No entanto, em 2009, após a promulgação do novo Código de Ética do CFM e o amadurecimento da medicina sob a ótica da dignidade humana, o próprio Ministério Público alterou seu posicionamento, passando a entender a ortotanásia como uma ação que garante a morte digna do paciente. Diante disso, o magistrado da causa, ao acolher o novo parecer do “parquet” defendendo a competência do CFM e a legalidade da prática, julgou improcedente a Ação Civil Pública e reconheceu que “a possibilidade de o médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis realmente não ofende o ordenamento jurídico posto”. (TRF1, 2007).
4.5. A Resolução n.º 1.995/2012 do CFM
O tema específico das Diretivas Antecipadas de Vontade ganhou visibilidade noPaís após a promulgação da Resolução CFM n.º 1.995/2012, que dispõe sobre o assunto visando a adequar a conduta médica. Consta, no artigo 2º da citada Resolução, que “nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade”.
Essa resolução é um marco histórico, ainda que não consiga abordar todas as facetas do tema. Porém, é necessário ressaltar que esse dispositivo não legalizou asDAVs no País, pois não possui força de lei, uma vez que o CFM não tem competência para legislar. Apesar disso, por ser esse o primeiro regulamento, pode desencadear a legalização das diretivas, caso o ordenamento jurídico siga a tendência natural de se adotar previamente posições no âmbito ético para que o Poder Legislativo as consolide no âmbito jurídico posteriormente. O Projeto de Lei do Senado n.º 524/2009 discutia a temática, dispondo sobre o direito do paciente terminal. No entanto, esse Projeto acabou arquivado em 14 de abril de 2015 sem ter sido votado.
Apesar de não ser lei e de estar restrita à determinada classe profissional, aResolução CFM n.º 1.995/2012 representou avanço importante. Nela estão alguns aspectos observados nas disposições de outros países quanto à elaboração do documento, como a possibilidade de designar representante; a determinação de que as diretivas prevaleçam sobre qualquer parecer não médico, inclusive sobre o desejo dos familiares; e a proibição das DAVs que estiverem em desacordo com o Código de ÉticaMédica. Porém, faltam aspectos importantes, como as atribuições do representante designado, a idade mínima para registro do documento, os tipos de tratamento que podem ser recusados ou se há prazo de validade.
A Resolução orienta que o registro das DAVs seja feito no prontuário do paciente, mas não menciona a necessidade de testemunhas, o que pode pôr em dúvida a veracidade e a validade do que está anotado. Dessa forma, sugere-se que se procure a orientação de advogado, registrando no cartório de notas o documento relativo às suas vontades quanto aos cuidados de saúde.
4.6. O Código de Ética do CFM (Resolução n.º 2.217/2018)
A Resolução CFM n.º 2.217/2018, revisou o Código de Ética Médica de 2009. Como na versão de 2009, o período para o conhecimento do Novo Código foi de 180 dias, ou seja, a Resolução entrou em vigor em 1º de maio de 2019. Entre as mudanças, o preâmbulo, com correção material implementada pela Resolução CFM n.º 2.222, de 23 de novembro de 2018, indica que são 26 princípios fundamentais, 11 normas diceológicas e mais 117 as normas deontológicas.
Nesta ocasião, serão destacados apenas alguns aspectos gerais. Observa-se que ocorreu acréscimo no texto do princípio fundamental XXIII, das palavras veracidade e honestidade, ficando assim redigido: “Quando envolvido na produção de conhecimento científico, o médico agirá com isenção, independência, veracidade e honestidade, com vista ao maior benefício para os pacientes e para a sociedade”.
Eduardo Dantas e Marcos Coltri (2022, p. 86) mencionam:
Assim, o compromisso do pesquisador é com a objetividade dos fatos, ainda que estes contrariem os interesses de alguns grupos ou vaidades. A produção científica deverá ser regida – sempre – pela isenção e pela independência, não se curvando a interesses que possam vir a deturpar ou mascarar os resultados do trabalho de pesquisa.
O princípio fundamental XXVI é novo e determina que “A medicina será exercida com a utilização dos meios técnicos e científicos disponíveis que visem aos melhores resultados”.
Continuam Eduardo Dantas e Marcos Coltri (2022, p. 107 e 108):
Representa, portanto, o encontro com a situação real, onde nem sempre o ideal é possível. E dentro deste quadro, o que deve reger a relação com o paciente é a possibilidade de fazer o máximo, a partir das condições existentes, não podendo haver qualquer imputação de má conduta, se comprovado e registrado que o atendimento se deu com o respeito a estes parâmetros (meios técnicos e científicos disponíveis). Este novo inciso também guarda direta relação com o preconizado no art. 32 deste Código, inclusive quanto a necessária observância dos meios disponíveis ao médico, no momento de sua atuação profissional.
Nas normas diceológicas, os Direitos dos Médicos (III) vêm com uma mudança redacional entre Conselho e Comissão de Ética, acrescendo, nessa última, a lembrança de que nem sempre ela existe. Nos Direitos dos Médicos (IV) também ocorre a mesma inversão entre Conselho e Comissão de Ética, com o mesmo ressalvo quanto à existência ou não da Comissão de Ética. Nos Direitos dos Médicos (XI) é novidade e diz que “É direito do médico com deficiência ou com doença, nos limites de suas capacidades e da segurança dos pacientes, exercer a profissão sem ser discriminado”.
No tocante ao termo de assentimento, previsto no parágrafo primeiro do artigo 101, a sua necessidade foi acrescida para além de crianças e adolescentes, passando a abrigar também “pessoa com transtorno ou doença mental ou em situação de diminuição de sua capacidade de discernir”. Isto faz com que os indivíduos com incapacidade de consentir sejam representados e tenham, porém, a possibilidade de assentir, após os devidos esclarecimentos no seu nível de compreensão.
Neste momento, é importante destacar o capítulo V, Relação com pacientes e familiares, do artigo 31 ao 42. Estabelece o art. 41:
Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médicooferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre emconsideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.
Segundo Eduardo Dantas e Marcos Coltri (2022, p. 107 e 108):
O parágrafo único deste artigo está em consonância com a Resolução CFM n.º 1.995/2012, que regulamenta as chamadas Diretivas Antecipadas de Vontade…
A obstinação terapêutica, o prolongamento artificial e por vezes doloroso, desconfortável – e em última análise, inútil -, de uma vida em estágio terminal irreversível, somente traz sofrimento ao paciente, aos seus familiares. Permitir que tratamentos sejam suspensos, sendo mantidos apenas os cuidados paliativos – a chamada ortotanásia -, deixando que a vida siga seu curso natural, com o mínimo de desconforto e o máximo de dignidade possível, deve ser entendido também como um ato de humanidade, objeto primeiro de uma medicina preocupada com o paciente, em vez de outros objetivos secundários.
Há uma grande diferença, todavia, entre permitir a suspensão e procedimentos inúteis, mantendo cuidados paliativos, e a prática de abreviara vida do paciente, mesmo que a pedido deste. Esta segunda, que pode se caracterizar tanto por ação quanto por omissão de conduta, seja através de suicídio assistido, seja por intermédio da prática da eutanásia, é terminantemente proibida sob o ponto de vista ético, e também condenável sob o prisma do direito criminal, punível em ambas as esferas.
Não cabe ao médico decidir quando terminar uma vida, ou mesmo auxiliar o paciente na tomada desta decisão. Deve ele, isso sim, adotar os meios possíveis para que o fim de vida seja digno, mantido o respeito pela individualidade de seu paciente, e não abreviar sua jornada, usando como pretexto uma doença terminal incurável.
E, se não pode fazê-lo com o consentimento expresso do paciente, menosainda se a decisão fosse tomada por um representante legal.
4.7 . A natureza jurídica, as características, os requisitos e o conteúdopossível para a sua elaboração
Nas Diretivas Antecipadas de Vontade, a espécie testamento vital é confundida com o testamento civil, disposto nos arts. 1.857 a 1.859 do Código Civil brasileiro, que assim estabelece:
Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.
§ 1º A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.
§ 2º São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.
Art. 1.858. O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo. (Grifo nosso)
Art. 1.859. Extingue-se em cinco anos o direito de impugnar a validade do testamento, contado o prazo da data do seu registro.
As DAVs, a seu turno, embora possuam características jurídicas semelhantes, diferenciam-se quanto ao fato de não trazerem disposições de natureza patrimonial e quanto ao momento em que ganham eficácia, na medida em que isso ocorre ainda durante a vida do seu outorgante e não após a morte. No entanto, apesar das diferenças, diversas regras aplicáveis ao testamento também o são para as Diretivas Antecipadas de Vontade. Como a declaração civil, também se configuram como um negócio jurídico, igualmente unilateral, personalíssimo e revogável.
A propósito dos requisitos para a elaboração das DAVs, seguindo os critérios do Código Civil, requer-se do indivíduo a capacidade para a prática dos atos da vida civil (CC, art. 104, I, c/c art. 3º e 4º), sendo aplicáveis, ainda, por analogia, as regras postas ao testamento, exigindo-se o pleno discernimento na manifestação de vontade, o que significa dizer, de maneira livre, informada e consciente (CC, art. 1.860 e parágrafo único).
Quanto à forma, deve-se seguir em atenção ao que dispõe o art. 107 do Código Civil, “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.” Dessa forma, não há como se exigir nenhuma formalidade específica na elaboração das Diretivas Antecipadas de Vontade. Pode-se utilizar, na busca por um parâmetro, orientações postas pela doutrina, regras legais aplicáveis por analogia e apontamentos do direito comparado.
O Enunciado n.º 37 da I Jornada de Direito da Saúde, promovida pelo CNJ em São Paulo, nos dias 14 e 15 de maio de 2014, recomenda formalidades próprias das DAVs. Conforme já registrado, os enunciados não possuem força de lei, mas são orientações de especialistas da área, merecendo a devida atenção a diretriz em comento:
As diretivas ou declarações antecipadas de vontade, que especificam os tratamentos médicos que o declarante deseja ou não se submeter quando incapacitado de expressar-se autonomamente, devem ser feitas preferencialmente por escrito, por instrumento particular, com duas testemunhas, ou público, sem prejuízo de outras formas inequívocas de manifestação admitidas em direito. (CNJ, 2014)
Importante destacar que os tratamentos médicos especificados nas Diretivas Antecipadas de Vontade são, obrigatoriamente, extraordinários à manutenção da vida em estado terminal. Embora o enunciado tenha cometido o equívoco de não mencionar essa ressalva, ela é extremamente importante, tendo em vista a impossibilidade de se deixar de aplicar, no Brasil, cuidados médicos essenciais à saúde do enfermo. No entanto, nada impede que as DAVs sejam elaboradas como um documento particular, recomendando-se, nesse caso, que tenha firma reconhecida em cartório e/ou seja feito na presença de testemunhas, para atestar que a assinatura é verdadeira e não pairar dúvidas quanto à simulação dos desejos de um paciente por outrem. Podem consolidar-se, ademais, por meio de declaração entregue diretamente ao médico no momento da internação ou em atendimento anterior, devendo, de preferência, ser registrada e assinada no prontuário hospitalar do paciente para comprovação posterior em caso de ser impugnada. A dispensa de tratamentos extraordinários pode ser feita, também, pela via judicial.
Existe a possibilidade de que a vontade do declarante seja manifestada por meio de áudio e/ou vídeo ou mesmo oralmente aos amigos, aos familiares e aos médicos, que atuam como testemunha nesses casos. Evidentemente as afirmações verbais não gravadas são muito mais difíceis de terem sua validade confirmada, bem como de salvaguardar o profissional de saúde de possíveis ações judiciais. Há, também, declarações compartilhadas digitalmente, por meio de depoimentos em redes sociais, como Facebook, Instagram, WhatsApp, entre outras formas de manifestações de vontade válidas.
Notadamente, quanto à validade das Diretivas Antecipadas de Vontade, prosseguindo na análise do Direito Comparado, parece mais adequada a regra de que a manifestação prévia terá validade imediata, conforme ocorre na Espanha. Há, ainda, o caso de Portugal, como já mencionado, que estabelece um termo final de 5 anos para as Diretivas Antecipadas de Vontade continuarem válidas, depois do qual se deverá reiterar a vontade manifestada. No ordenamento jurídico brasileiro, não obstante inexista um prazo semelhante, deve-se sempre averiguar, antes de acatar a decisão previamente estabelecida do enfermo, se ela é atual. Ainda sobre a validade das DAVs, mostra-se essencial o adequado esclarecimento do declarante acerca da vontade que deseja expressar. Por fim, no que se refere à eficácia das DAVs no Brasil, é certo que o instrumento só surtirá efeito na iminência de um estado terminal de vida marcado pela inconsciência.
Com a finalidade de promover a publicidade das Diretivas Antecipadas de Vontade do Brasil, a exemplo do que ocorre em países como Portugal e Espanha, seria de grande valia a criação de um registro nacional desses instrumentos. Nesse sentido, Luciana Dadalto promoveu o RENTEV, uma espécie de banco de registro que, embora não seja oficial do País, já tem sido bastante utilizado pelos cidadãos e é de bastante proveito para fornecer aos profissionais de saúde um local em que podem se informar, na oportunidade do atendimento de pacientes terminais, a respeito da existência ou não de DAVs. Em linhas gerais, tendo por base o tratamento da matéria nos ordenamentos jurídicos estrangeiros, as Diretivas Antecipadas de Vontade têm como conteúdo o consentimento ou o dissentimento para tratamentos extraordinários na manutenção de vida do paciente.
O testamento vital pode dispor, especificamente, sobre cada um dos tratamentos extraordinários ou tratar de maneira genérica da escolha ou da recusa pela ortotanásia. Da mesma forma, o mandato duradouro poderá outorgar poderes a alguém especificamente quanto a essa decisão de suspender tratamentos extraordinários ou deixar a cargo desse procurador todas as escolhas médicas possíveis.
Importante é destacar que não se pode confundir cuidados médicos fúteis com cuidados paliativos ou ordinários, que se referem àqueles procedimentos médicos que garantem qualidade de vida ao paciente terminal e/ou são utilizados no alívio dos sofrimentos físico e psicológico. A suspensão desses não é permitida ao profissional de medicina nem quando autorizada a ortotanásia.
No que diz respeito à proibição de disposições de vontade que contrariem a ordem jurídica vigente, a principal preocupação é que se preveja a prática da eutanásia, que, conforme já mencionado, é proibida no Brasil. Não se permite, com as DAVs, a opção pelo adiantamento da morte de ninguém, forçando o médico a atender essa vontade expressa do paciente. Na hipótese de existirem disposições prévias nesse sentido, considerar-se-á essa diretiva como nula, não estando o médico autorizado, igualmente, a praticar a eutanásia respaldando-se no cumprimento da vontade do enfermo.
Quando for constatado que determinados tratamentos dispostos nas DiretivasAntecipadas de Vontade não são os mais recomendados para o caso clínico do paciente, seja porque a sua enfermidade ainda possui formas de reversão ou de cura, seja porque a medicina já avançou nesse específico ponto, ter-se-á a revogação tácita das disposições.
4.8. O poder decisório dos médicos e dos familiares perante da vontade expressa do paciente terminal
A elaboração de Diretivas Antecipadas de Vontade que estejam de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro vigente, ou seja, que não resultem na eutanásia, vincula, no estágio terminal de vida inconsciente de alguém, todos os envolvidos na tomada de decisão em seu lugar: a equipe médica, os familiares, amigos ou procuradores do paciente. Todos esses indivíduos deverão empreender esforços para seguir a sua vontade expressa ou conhecida.
Os parentes têm papel relevante na hora de orientar a equipe médica acerca da vontade conhecida do enfermo, atuando como testemunhas e conhecedores dos valores, preferências, pensamentos e crenças dele. Na ausência de disposições prévias do paciente, nesse espeque, é a vontade dos seus familiares e/ou responsáveis que deve ser seguida. Contudo, diante da existência das DAVs, o poder decisório da parentela não pode se sobrepor aos desejos expressos do enfermo, eis que merecem maior guarida os interesses de quem tem a vida em jogo e será diretamente afetado pelo tratamento de saúde.
No que diz respeito ao poder decisório do médico, ele deve, igualmente, respeitar a vontade do enfermo e conduzir sua atuação com base nesse imperativo ético, regra que vale a qualquer outro profissional de medicina. Ele tem o direito de não a acatar, se entender que a opção do enfermo não seja a melhor decisão para a sua saúde diante da possibilidade de cura ou reversão terapêutica, ou seja, quando se deparar com um estado de saúde que não é verdadeiramente terminal ou quando as Diretivas Antecipadas de Vontade prevejam a suspensão de cuidados paliativos. Possui, ainda, o direito constitucional de recusar-se a atender os desejos expressos, se eles atentarem contra a sua consciência ou contra sua crença (CF, art. 5º, VI), hipótese em que deverá encaminhar o paciente a outro médico que seja capaz de cumpri-los.
Atualmente, a inexistência de uma lei que reconheça a validade das Diretivas Antecipadas de Vontade do paciente terminal e regule a sua aplicação representa uma ampla insegurança jurídica na atuação do profissional de medicina, visto que, qualquer que seja a sua conduta, estará suscetível à responsabilização judicial e/ou administrativa.
De outro lado, se o médico se negar imotivadamente a realizar a vontade declarada do paciente terminal, ou seja, sem justificar-se por razões éticas, morais, religiosas ou qualquer outra de foro íntimo, estará praticando, com isso, uma infração ética, passível de reprimendas civil e administrativa. Pior ainda se essa vontade é a de suspender tratamentos extraordinários infrutíferos e, mesmo assim, o profissional continuar com a obstinação terapêutica, sem promover nenhum benefício ao paciente e ampliando seu sofrimento contra o seu desejo expresso.
No que se refere à possibilidade de responsabilização administrativa, essa decorre da regra disposta no art. 41 do Código de Ética Médica, que impõe ao profissional de medicina o respeito pela autonomia dos seus pacientes, proibindo, especialmente, a recusa infundada. Com relação à condenação civil perante o judiciário, por sua vez, essa ocorre em razão de prejuízos morais e materiais que o não cumprimento da vontade do enfermo lhe causa. Para tanto, faz-se necessária a configuração da responsabilidade civil, exigindo-se a comprovação do nexo causal entre a conduta do médico e o resultado.
Em que pese o médico não ser obrigado a curar a enfermidade, deve atuar com zelo pelos parâmetros apontados pela ciência médica, dentre eles, o de respeito pela autonomia e dignidade do paciente. Os danos causados em decorrência do desrespeito por esses direitos podem ser, primeiramente, de natureza moral, decorrentes de um sofrimento psicológico que atinge valores íntimos do enfermo e de seus familiares. Nessa perspectiva, é inegável que o descumprimento da vontade do paciente, especialmente no sentido de se posicionar contra a distanásia, é conduta médica que causa abalos e angústia passíveis de responsabilização moral.
Com relação aos danos patrimoniais, estes decorrem dos custos gerados pelo prolongamento do processo da morte, quais sejam, os valores elevados dos tratamentos e da tecnologia utilizada, a remuneração dos serviços profissionais envolvidos, as taxas de internação em quartos de hospitais e em UTI, além das custas judiciais e advocatícias supervenientes do processo judicial.
Diante do exposto, fica evidente a insegurança jurídica que decorre da tomada de decisões no fim da vida, notadamente para a equipe médica, que, atendendo ou não a vontade do paciente a respeito da ortotanásia, pode sofrer sanções éticas, morais e materiais. Faz-se urgente, a regularização das Diretivas Antecipadas de Vontade, para solucionar esse problema ao qual estão expostos, cotidianamente, os profissionais envolvidos com pacientes terminais.
5. NOTAS CONCLUSIVAS
Vivemos em um Estado democrático de direito, no qual os princípios de dignidade da pessoa humana e de autodeterminação norteiam as relações. No entanto, durante o estudo, verificamos que a noção de dignidade atual, nem sempre foi tratada da mesma maneira.
As Diretivas Antecipadas de Vontade constituem um documento, em que o indivíduo determina, previamente, a sua escolha pela manutenção ou suspensão de tratamentos extraordinários no fim da vida (Testamento Vital) ou, então, a outorga dessa decisão a um representante (Mandato Duradouro).
É notória a importância de discutir e de disseminar o conhecimento quanto às Diretivas Antecipadas de Vontade, não só no que diz respeito ao exercício de autonomia do paciente, mas como proteção para profissionais contra possíveis dificuldades envolvendo as relações entre a equipe profissional e os familiares do paciente em casos de doença terminal. Fundamental é que os indivíduos possam entender e disseminar a diferença entre eutanásia, distanásia e ortotanásia para uma maior compreensão das situações que eventualmente poderão vivenciar.
No estudo, pode-se observar que a ortotanásia é vista como uma conduta ética do profissional da medicina, que garante a morte digna dos pacientes.
Viu-se, no presente trabalho, que as Diretivas Antecipadas de Vontade já são uma realidade normativa em diversos países, mas que no Brasil ainda não há nenhuma lei nacional que regule a matéria. O ordenamento jurídico brasileiro, conta com algumas leis de âmbito estadual, resoluções do Conselho Federal de Medicina e decisões judiciais que reconhecem a autonomia e a dignidade do paciente.
Ainda, no estudo comparado, fica evidente a importância e a participação dos médicos na construção e na formalização das Diretivas Antecipadas de Vontade. É razoável pensar que talvez a dificuldade de abordar o tema esteja diretamente ligada à dificuldade de discutir e de lidar com pacientes que se aproximam da terminalidade. No entanto, debater a possibilidade de elaborar esse documento poderia ser uma forma de facilitar a comunicação, permitindo que incertezas, medos e sentimentos sejam revelados, com a possibilidade de esclarecimentos, melhorando a relação dos envolvidos para a tomada de decisões.
Na verdade, em todos os países estudados, é verificada a importância da formalização o quanto antes e da forma mais atual possível, possibilitando uma melhor relação médico-paciente, a orientação clara ante situações difíceis e o alívio moral para os familiares, além da economia de recursos da saúde.
Evidente é a necessidade de um maior debate sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade, sua eficácia, formas de elaboração e aplicação no Brasil. A inexistência de parâmetros legais acarreta risco e responsabilização dos profissionais da saúde, além de possível desrespeito pela vontade dos enfermos. Necessária se faz uma legislação para que esse documento seja formalizado o quanto antes, representando a mais atual manifestação do indivíduo, possibilitando uma maior segurança jurídica e qualidade na relação de todos os envolvidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Eduardo Henrique Rodrigues. Dignidade, autonomia do paciente e doença mental. Revista Bioética, 2010, 18 (2) 381-395.
AMARAL, Fernando. Direito Civil: introdução. 6.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:Renovar, 2008.
BARBOZA, Heloísa. Autonomia em face da morte: alternativa para eutanásia? In:PEREIRA, T. S.; MENEZES, R. A.; BARBOZA, H. H. (coord.). Vida, morte e dignidade humana. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2010.
BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial.Belo Horizonte: Fórum, 2012.
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e autonomia privada. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
BRADBURY, Leonardo Cacau Santos La. Estados liberal, social e democrático dedireito: noções, afinidades e fundamentos. Teresina: Revista Jus Navigandi, dez. 2006,a. 11, n. 1252, ISSN 1518-4862. Disponível em: Acesso em: 17 Mar. 2022.
BRASIL. Lei n.º 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 10 mai. 2023.
Constituição (1988). Constituição da Repúplica Federativa do Brasil de 1988.Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 jun. 2022.
_____. Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003. Estatuto da Pessoa Idosa. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. (Vide Decreto n.º 6.214, de 2007). Dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa e dá outras providências. (Redação dada pela Lei n.º 14.423, de 2022). Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm>. Acesso em: 10 mai. 2023.
______. Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil (CC). Institui o Código Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 10 mai. 2023.
CONSELHO DA EUROPA. Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano em face às Aplicações da Biologia e da Medicina. Adoptada e aberta à assinatura em Oviedo, a 4 de abril de 1997. Entrada em vigor na ordem internacional: 1 de Dezembro de 1999. Convenção de Oviedo. Convenção para a proteção dos direitos do homem e da dignidade do ser humano face às aplicações da biologia e da medicina. Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/euro/principaisinstrumentos/16.htm>. Acesso em: 10 mai. 2023.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM). Resolução CFM n.º 1.480, de 08 de agosto de 1997. REVOGADA – Resolução CFM n.º 2.173/2017. A morte encefálica será caracterizada através da realização de exames clínicos e complementares durante intervalos de tempo variáveis, próprios para determinadas faixas etárias. Revoga-se a Resolução CFM n.º 1.346/1991. Disponível em: <https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/1997/1480>. Acesso em: 10 mai. 2023.
_____. Resolução n.º 1.805, de 9 de novembro de 2006. Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. Disponível em: <https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2006/1805>. Acesso em: 10 mai. 2023.
_____. Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica (CEM). Disponível em: <https://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/codigo%20de%20etica%20medica.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2023.
_____. Resolução do Conselho Federal de Medicina Resolução n.º 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica (CEM). Disponível em: <https://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/codigo%20de%20etica%20medica.pdf>. Acesso em: 02 mai. 2022.
_____. Resolução n.º 1.995, de 31 de agosto de 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Diário Oficial da União, Seção I, p.269-70,Brasília, DF, 31 ago. 2012. Disponível em: <https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2012/1995>. Acesso em:02 maio. 2022.
_____. Resolução n.º 2.222, de 23 de novembro de 2018. Corrige erro material do Código de Ética Médica (Resolução CFM n.º 2.217/2018) publicado no D.O.U. de 1 de novembro de 2018, Seção I, p. 179. Disponível em:<https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2018/2222>. Acesso em:10 maio. 2023.
CLOTET, JOAQUIM. Bioética: uma aproximação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.
DADALTO, LUCIANA. A necessidade de um modelo de Diretivas Antecipadas deVontade para o Brasil: estudo comparativo dos modelos português e franceses. BeloHorizonte: Revista M., jul./dez., 2016, v. 1, n. 2, p. 446-463.
_____. Reflexos jurídicos da Resolução CFM 1995/12. Revista Bioética, v. 21, n. 1, abril de 2013. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/bioet/a/jt5d9PVQgWkffwMLzvvDM7h/abstract/?lang=pt>. Acesso em: 10 mai. 2023.
______. Testamento vital. 6 ed. São Paulo: FOCO, 2022.
DADALTO, Luciana. Testamento vital. São Paulo: Atlas, 2015.
DADALTO, Luciana. Testamento vital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
DANTAS, Eduardo; COLTRI, Marcos. Comentários ao Código de Ética Médica. 4ed.:GZ Editora e JusPODIVM, 2022.
DANTAS, Eduardo. Direito Médico. 6 ed. Salvador: GZ Editora e JusPODIVM, 2022.
MABTUM, MM; MARCHETTO PB. O debate bioético e jurídico sobre as diretivas antecipadas de vontade. São Paulo: Cultura Acadêmica; 2015.
MINAS GERAIS. Lei n.º 16.279, de 20 de julho de 2006. Dispõe sobre os direitos dos usuários das ações e dos serviços públicos de saúde no Estado. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/legislacao-mineira/texto/LEI/16279/2006/?cons=1>. Acesso em: 10 mai. 2023.
PARANÁ. Lei n.º 14.254, de 04 de dezembro de 2003. Prestação de serviço e ações de saúde de qualquer natureza aos usuários do Sistema Único de Saúde – SUS e dá outras providências. Disponível em: <http://www.assembleia.pr.leg.br/agoraelei?showPopup=direitos-aos-usuarios-do-sus#:~:text=Lei%2014.254%20%2D%2004%20de%20Dezembro%20de%202003&text=S%C3%BAmula%3A%20Presta%C3%A7%C3%A3o%20de%20servi%C3%A7o%20e,SUS%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.>. Acesso em: 10 mai. 2023.
RODRIGUES et al. Morte encefálica, uma certeza? O conceito de “morte cerebral”como critério de morte, São Paulo: Revista Bioethicos, 7(3):271-281. CentroUniversitário São Camilo, 2013.
SÃO PAULO (SP). Lei n.º 10.241, de 17 de março de 1999. Lei Mário Covas. (Atualizada até a manutenção de artigos vetados, em 10 de setembro de 2001). (Projeto de Lei n.º 546, de 1997, do Deputado Roberto Gouveia – PT). Dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde no Estado. Disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1999/lei-10241-17.03.1999.html>. Acesso em: 10 mai. 2023.
SENADO FEDERAL. Projeto de Lei do Senado n.º 524, de 2009. Dispõe sobre os direitos da pessoa em fase terminal de doença. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/94323>. Acesso em: 10 mai. 2023.
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2008.
TRF1. Ação Civil Pública n.º 2007.34.00.014809-3, de 09 de maio de 2007. Nova numeração n.º 0014718-75.2007.4.01.3400 . 14ª VARA BRASÍLIA. Juiz EDUARDO SANTOS DA ROCHA PENTEADO. Autor: Ministério Público Federal. Réu: Conselho Federal de Medicina. Trata-se de Ação Civil Pública com pedido de antecipação de tutela ajuizada pelo Ministério Público Federal contra o Conselho Federal de Medicina. Disponível em: <https://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php?secao=DF&proc=200734000148093>. Acesso em: 10 mai. 2023.