Implications of informational negligence in rare health events
Fonte: Revista de Direito Médico e da Saúde – nº 26 – Anadem
Brunna Pires Barbosa Lope
Sumário: 1. Introdução. 2. O papel da informação na relação médico-paciente. 3. Nuances da negligência informacional. 4. Escassez informacional em eventos raros de saúde e suas repercussões. 5. Notas conclusivas. Referências bibliográficas.
Resumo: De algum modo, todos os obstáculos enfrentados pelos portadores de doenças raras estão relacionados a algum defeito de informação e o cumprimento do dever informacional pelo médico é fundamental para a mudança desse paradigma. O presente estudo analisa as principais dificuldades advindas da negligência informacional em eventos raros de saúde, buscando possíveis formas de amenizá-la.
Palavras-chave: Negligência informacional. Consentimento informado. Doenças raras.Responsabilidade civil. Direito à informação.
Abstract: Somehow, all the obstacles faced by patients with rare diseases are related to some information defect and the fulfillment of the informational duty by the physician is fundamental for changing this paradigm. The present study analyzes the main difficulties arising from informational negligence in rare health events, looking for ways to alleviate it.
Keywords: Informational negligence. Informed consent. Rare diseases. Civil responsibility. Right to information.
1. INTRODUÇÃO
Tempos de informação facilitada e alcance do mundo nas palmas das mãos não isentam o médico do dever intrínseco à sua profissão de oportunizar ao paciente uma escolha esclarecida. Deve-se ter em mente que a obtenção de um documento assinado pelo enfermo não é sinônimo de consentimento e que, sem consentimento, quase tudo é questionável.
A informação como obrigação recíproca decorre do princípio bioético da autonomia, cujo surgimento se deu pelo Relatório Belmont, elaborado a partir de uma reação institucional às barbaridades suportadas pelas cobaias de pesquisas em medicina no passado.
Na visão de Júlio Flávio Marchini, em observância à moral Kantiana:
Para Immanuel Kant (1724-1804), autonomia é a “capacidade da vontade humana de se autodeterminar segundo uma legislação moral por ela mesma estabelecida, livre de qualquer fator estranho ou exógeno com uma influência subjugante”. Na Bioética, especificamente na área da Medicina, autonomia é o direito e o dever de o paciente conhecer sobre sua doença e poder escolher entre as melhores opções disponíveis de diagnóstico e tratamento.
Somente respeitando a autonomia, por meio de uma comunicação adequada e clara, é possível acolher o enfermo e construir com ele uma relação médico-paciente sólida, pautada em confiança, transparência e empatia.
Posto isso, analisar-se-ão as dificuldades do acesso à informação e do exercício da autonomia de parcela constantemente negligenciada: os portadores de doenças raras. Seus desafios são muitos. A busca por informações, por profissionais capacitados e por tratamentos eficazes é realidade na rotina dos indivíduos acometidos e na de quem com eles convive.
Busca-se, portanto, possíveis formas de amenizar a negligência informacional nos eventos raros de saúde, na esperança de que, com isso, as concepções de universalidade e de integralidade da saúde pública brasileira, instituídas pela Constituição Federal de 1988(CF), deixem de ser meramente teóricas.
2. O PAPEL DA INFORMAÇÃO NA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE
Palco de significativas modificações ao longo dos anos, a relação médico-paciente, que antes era reduzida ao paternalismo do profissional e às suas decisões individuais e incontestáveis a despeito das vontades do enfermo, transmuta-se a uma situação de igualdade, na qual o paciente deixa de ser um mero espectador e passa a ter voz ativa e poder de decisão sobre sua própria vida.
O respeito à autonomia do paciente horizontalizou a relação, transformando-se emum dos pilares essenciais para sustentar o exercício da medicina. Desse pilar, se derivou a condição informacional, ferramenta indispensável para a garantia da confiança e da transparência na relação médico-paciente.
A necessária confluência entre autonomia e informação torna impossível o efetivo cumprimento do dever de conduta informativa do médico, se não houver respeito às decisões e às vontades do enfermo.
Nas palavras de Odile Ugarte e Marcus André Acioly:
Além das condições de capacidade e de liberdade, ninguém pode exercer ação autônoma caso não esteja informado sobre os objetivos da ação e sobre as consequências da ação. Sem compreensão não há autonomia. Muito já foi discutido sobre o grau de compreensão dos procedimentos médicos que os pacientes podem alcançar. Alguns afirmam que, sendo leigos, os pacientes não possuem compreensão suficiente dos procedimentos propostos para que saibam exatamente o que estão consentindo ao autorizá-los. Defensores da autonomia dos pacientes acreditam que eles são capazes de compreender os pontos considerados importantes pelo seu médico-assistente. Essa compreensão só é possível diante de um ambiente acolhedor, no qual o médico se esforce em conhecer as preocupações de seus pacientes, e no qual o debate seja estimulado.
Nesse avançar da consequente normatização do trabalho médico, a informação passou a ocupar – simultaneamente e no mesmo cenário – um direito do paciente e umdever do médico, tal qual preconiza a Recomendação n.º 1, de 21 de janeiro de 2016, doConselho Federal de Medicina (CFM).
Ao profissional foi imposto o dever de apresentar ao seu paciente quais são os riscos do seu tratamento, suas vantagens e desvantagens, as possíveis técnicas a serem empregadas, seu diagnóstico, o prognóstico e todos os pontos relevantes das práticas edos atos médicos, permitindo que o enfermo tome suas próprias decisões a partir da compreensão desses esclarecimentos. Essa é a visão de doutrinadores do calibre deBeauchamp e Childress, que, por sua vez, lecionam:
A revelação, contudo, é um tópico central. Se a informação não for transmitida de uma maneira adequada, muitos pacientes e sujeitos de pesquisa terão, com referência ao modelo, uma base insatisfatória para tomar suas decisões. A perspectiva, as opiniões e as recomendações do profissional são, com frequência, essenciais para uma decisão sensata. Os profissionais são obrigados a revelar um conjunto fundamental de informações, incluindo (1) os fatos ou descrições que os pacientes ou sujeitos de pesquisa normalmente consideram importantes para decidir se recusam ou consentem na intervenção ou na pesquisa propostas; (2) as informações que o profissional acredita serem importantes; (3) a recomendação do profissional; (4) o propósito de buscar um consentimento, e (5) a natureza e os limites do consentimento como um ato de autorização.
Além do conteúdo, outras características precisam ser observadas, como a quantidade de informação exposta ao indivíduo sob seus cuidados, a linguagem utilizada e o momento certo de informar.
Sobre quantidade, o Código de Ética Médica (CEM), Resolução CFM n.º 2.217, de 27 de setembro de 2018, veda a escassez informacional. Lado outro, tem-se por certo que excesso de informação não informa ninguém. O exagero de considerações científicas acaba prejudicando a qualidade da comunicação, possibilitando que o paciente priorize dados irrelevantes em detrimento daqueles que realmente importam. Cabe ao médico, detentor do conhecimento técnico, ponderar entre as duas vertentes.
Da mesma forma, de nada adianta utilizar diversas expressões ininteligíveis com opaciente e esperar que ele compreenda. Para cumprir com seu dever, o profissional deve considerar a vulnerabilidade técnica do enfermo e se comunicar de forma eficiente e acessível, de modo que o indivíduo consiga assimilar as palavras que lhe são proferidas e construir suas próprias deliberações.
Quanto ao momento, entende-se que a informação deverá anteceder cada nova fase do tratamento. É imperioso destacar que o paciente, caso queira e desde que sejam observados os parâmetros legais, poderá se recusar a prosseguir com o tratamento já em curso.
Embora não haja, no Brasil, uma legislação específica que regulamente o direito do paciente à informação, os detentores desse direito possuem uma prerrogativa extensa. Assim, por exemplo, percebe-se nos seguintes dispositivos:
Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990.
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
Art. 8°. Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.
Art. 9°. O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.
Parecer sobre os Direitos dos Pacientes, elaborado em 14 de Julho de 2005pelo Comitê Econômico e Social Europeu em Bruxelas.
A equipe médico-social deve ter uma função de conselheiro para o paciente, sem que isso a iliba da sua responsabilidade. Por conseguinte, esta equipe existe para lhe prestar assistência, para o informar e para o apoiar, elaborando uma estratégia terapêutica baseada no diagnóstico que os sintomas e a relação com o paciente lhe tiverem sugerido. Assim, é legítimo solicitar que os profissionais de saúde escutem de modo individualizado o paciente, o que deverá permitir propor o tratamento mais adaptado, tanto do ponto de vista técnico como psicológico.
Impõem-se um assentimento esclarecido e uma aceitação de correr riscos fundamentada. A informação continua a ser o resultado do colóquio singular entre o médico e o paciente, no qual apenas devem ser considerados os interesses e o bem-estar deste último.
Este acesso à informação individualizada é a etapa indispensável para progredir na via da redução das desigualdades perante os distúrbios, a doença, a assistência médica e a melhoria do acesso ao sistema de saúde por parte de todos os cidadãos.
Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH), adotada em 19 de outubro de 2005 por sessão da Conferência Geral da UNESCO em Paris.
Art. 6º, “a” – Qualquer intervenção médica preventiva, diagnóstica e terapêutica só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido do indivíduo envolvido, baseado em informação adequada. O consentimento deve, quando apropriado, ser manifesto e poder ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer momento e por qualquer razão, sem acarretar desvantagem ou preconceito.
Art. 6º, “b” – A pesquisa científica só deve ser realizada com o prévio, livre, expresso e esclarecido consentimento do indivíduo envolvido. A informação deve ser adequada, fornecida de uma forma compreensível e incluir os procedimentos para a retirada do consentimento. O consentimento pode ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer hora e por qualquer razão, sem acarretar qualquer desvantagem ou preconceito (…).
Alguns doutrinadores afirmam que a não revelação do que os pacientes necessariamente devem saber se constitui como um golpe em seus direitos fundamentais,mormente, pelo previsto no inciso XIV do art. 5º da CF.
A Declaração de Lisboa, de setembro/outubro de 1981, representando alguns dos principais direitos do paciente que a profissão médica endossa e promove, dedicou um tópico exclusivo para tratar sobre o direito à informação:
Princípio 7. Direito a informação
a) O paciente tem o direito de receber informação sobre as anotações em qualquer de seus registros médicos e de ser informado integralmente sobre o estado de sua saúde, inclusive dos fatos médicos sobre sua condição;
b) Excepcionalmente pode ser negada informação ao paciente quando existir uma boa razão para acreditar que esta informação criaria um risco sério para sua vida ou sua saúde;
c) A informação deve ser dada de maneira apropriada a sua cultura e de tal forma que o paciente possa entender;
d) O paciente tem o direito a não ser explicitamente informado a seu respeito, a menos que isso colocasse em risco a proteção da vida de outra pessoa;
e) O paciente tem o direito de escolher qual dos seus familiares deve ser informado.
Dentro dessa perspectiva, como uma ramificação do direito à intimidade, o paciente também possui o direito de não receber a informação. Por evidente influência do ordenamento espanhol, no Brasil, também é reconhecida e respeitada a opção feita pelo paciente de não obter informações sobre seu estado de saúde. Esse direito, todavia, será relativizado ao se confrontar com questões de ordem pública que possam prejudicar a coletividade e o interesse social.
Acerca do tema, arremata Bergstein:
Se ao paciente é conferido o direito irrestrito de liberdade no sentido de delimitar os tratamentos que lhe serão ministrados, pode, sem qualquer paradoxo, optar por “abrir mão” desse direito inerente à sua personalidade. (…) Assim, determinado paciente poderá, de forma voluntária, limitar o seu direito de personalidade relativo à liberdade (no sentido de não ser informado e, apesar disso, continuar a decidir autonomamente), caso esteja em jogo outro direito da mesma natureza que envolva, a título de exemplo, a dignidade do indivíduo.
O paciente que opta por não receber esses dados, assume os ônus advindos da sua escolha. Desse modo, não há como responsabilizar o médico por eventual dano decorrente da falta de informação, se essa falta se deu pela renúncia do próprio paciente.Essa renúncia deverá partir de um pedido expresso do indivíduo sob os seus cuidados, não podendo o médico, em nenhuma hipótese, presumir que o paciente está desistindo dereceber essas informações e, por isso, não concedê-las a ele.
3. NUANCES DA NEGLIGÊNCIA INFORMACIONAL
Como herança dos últimos acontecimentos em saúde, as condutas médicaspassaram a ser investigadas sob uma lupa rigorosa, convertendo-se em uma judicialização crescente e desmedida, que tem abarrotado os tribunais brasileiros.
A busca por reparação civil nos procedimentos em medicina, embora seja majoritariamente motivada pela alegação de erro médico, não deve ser desassociada da verificação do dever profissional de oportunizar uma escolha esclarecida ao seu paciente. Com isso em mente e na intenção de atestar o cumprimento do seu encargo, os profissionais da medicina reduzem a termo as informações verbais dadas ao paciente, prática recomendada pela Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos e pelo CFM por meio da já mencionada Recomendação n.º 1/2016.
No entanto, a assinatura do paciente em um pedaço de papel, à primeira vista, não é suficiente para assegurar que a sua autonomia foi respeitada, tampouco para demonstrarque houve esclarecimento do que a ele foi proposto.
A bem da verdade, a interpretação equivocada das expressões convenientes ao tema leva os profissionais a acreditarem que a utilização de um simples documento é suficiente para protegê-los, em vias de responsabilidade civil e culpabilidade, à medida que capacita seus pacientes ao exercício de sua autodeterminação. Um equívoco infeliz e dispendioso.
À vista disso, faz-se necessário distinguir três conceitos que são frequentemente confundidos: consentimento informado, termo de consentimento livre e esclarecido (ou termo de consentimento informado) e escolha esclarecida.
Consagrado pelo Código de Nuremberg como um direito absolutamente essencial,o consentimento informado pode ser definido, na visão de Lívia Pithan, da seguinte forma:
Na assistência à saúde, o consentimento informado é entendido como processo de comunicação entre médico e paciente, o qual representa uma atmosfera de abertura e honestidade, alimentada por um diálogo permanente entre médico e paciente, que começa a partir do primeiro encontro e perdura por toda a relação. Não se trata de uma breve conversa, que se encerra com a assinatura do paciente em um termo. O “consent process”, ou “informed consent process”, contraria a ideia de um evento único, estático e anterior a prestação da assistência médica, e dá uma noção de uma série de eventos vinculados ao desenvolvimento a uma evolução gradual – o que mostra uma dinamicidade própria da relação entre médico e paciente.
A necessidade de consentimento do paciente encontra amparo nos princípios da autonomia privada e da dignidade da pessoa humana e é extensamente balizada pelo Código de Ética Médica e por outras resoluções do CFM, responsáveis por inseri-la nosmais diversos cenários. Em momento algum, essa definição deve ser confundida com o documento apresentado ao enfermo ou a quem por ele responda, cuja assinatura não comprova o recebimento de informações esclarecidas.
O documento, denominado termo de consentimento livre e esclarecido ou termo de consentimento informado, é a concretização de todo o trabalho informacional em um registro palpável que somente terá validade se o processo de informação for cumprido previamente.
Enquanto a obtenção do consentimento informado é indispensável para conferir legitimidade ao ato médico, sua materialização, embora seja recomendada, não é obrigatória. Nas palavras de Worthington, “a validade ética do consentimento livre e esclarecido não depende da palavra escrita, mas da qualidade da interação entre um paciente e um especialista. Formalizar o registro é apenas uma parte do processo”.
Nessa mesma linha, o Código de Ética Médica da Itália determina que a obtenção de consentimento expresso é complementar e não substitutiva do processo de informação.
Ao longo dos anos, o termo de consentimento passou a ser integrado comopolítica administrativa em inúmeras instituições hospitalares brasileiras, permitindo uma inversão de prioridades, uma vez que o foco primordial dos profissionais deixou de ser atransmissão da informação de maneira adequada e passou a ser o documento, fato que incitou uma das maiores causas de judicialização contra os médicos: a negligência informacional.
Finalmente, quanto à escolha esclarecida, embora parte da doutrina ainda estabeleça concepção semelhante ao consentimento informado, cabe dizer que os doisnão são sinônimos. A diferença entre os conceitos se inicia pela semântica. O termo informação se aproxima de comunicação e é utilizado para tornar algo conhecido. Segundo o Parecer sobre os Direitos dos Pacientes, elaborado pelo Comitê Econômico e Social Europeu, “a informação não é um fim em si mesmo, mas um meio de permitir que a pessoa faça as suas escolhas livres e esclarecidas”. De outro lado, esclarecimento está relacionado à compreensão, logo, esclarecer é a arte de aclarar uma informação, tornando-a elucidativa.
Aos olhos de Eduardo Dantas, a escolha esclarecida pressupõe não somente o conhecimento de todas as alternativas, mas também a compreensão do que cada uma delas pode representar. Em seguida, sobre consentimento informado, ele leciona:
Este, isoladamente, deve ser encarado como peça de uma engrenagem maior, mais sólida e mais segura, que é a escolha esclarecida, situação em que a vontade autônoma do paciente é exercida sob o manto do cumprimento do dever de informação imposto legal e deontologicamente aos médicos. Isoladamente, o consentimento informado não exime responsabilidades como se pretende, permitindo – por conta do defeito na transmissão da informação, e,portanto, na prestação do serviço – a materialização da responsabilização civil por dano informacional. Pesquisas clínicas e empíricas demonstram que os nossos atuais conceitos legais de consentimento informado estão em desacordo não apenas com a moderna prática médica, mas também com o direito a autonomia e autodeterminação.
Tem-se, na compreensão do paciente, condição sine qua non para que a sua participação ativa na tomada de decisões e o seu direito de se autogovernar sejam respeitados. Somente se alcança essa compreensão através da escolha esclarecida.
De toda sorte, para decretar essa escolha, forçosa se faz a presença de informaçõeseficientes e bastantes a oportunizarem ao enfermo o conhecimento dos riscos e a ponderação entre as alternativas possíveis, permitindo-o deliberar e decidir segundo suas próprias crenças, valores, experiências e vontades.
O caminho percorrido desde o consentimento informado até a escolha esclarecidaexige cooperação mútua entre as partes. Ainda que, ao final, o paciente opte por uma alternativa que não envolva qualquer intervenção médica, para que ele chegue a essa conclusão, o profissional deve ter completado o processo informacional de maneirasuficiente.
Quanto ao tema, Rafaella Nogaroli e José Luiz Júnior já declararam:
Para que ele [paciente] faça uma escolha esclarecida, deve passar – em maior ou menor medida, de acordo com as circunstâncias concretamente consideradas – por um processo informativo e de esclarecimentos, que o levará a essa escolha e, se optar por um determinado caminho que envolva uma atuação médica, emitirá o seu consentimento. Desse modo, a escolha esclarecida do paciente se desenvolve como um processo, o qual abrange a fase informativa e de esclarecimentos, e que culminará com uma decisão, que, se for positiva (permissiva ao atendimento) e emitida pelo próprio paciente, será considerada como um consentimento ao atendimento médico.
A inobservância do dever informacional, em sua essência, além de agredir os princípios basilares intrínsecos à condição humana, angaria para o médico mais uma responsabilidade, conhecida como negligência informacional. Como o dever de informação é anexo ao princípio da boa-fé objetiva, a negligência informacional caracteriza inadimplemento contratual per se.
Significa dizer que a privação do direito de autodeterminação do paciente, seja pela falha ou total falta da conduta informativa do especialista, poderá suscitar um ônus indenizatório ao médico, ainda que a intervenção realizada tenha sido satisfatória. Não são raras as condenações, em valores elevados, de profissionais e instituições hospitalares nesse sentido.
Em um leading case, no qual os pais pleiteavam ressarcimento pela piora no quadro neurológico do filho em decorrência de evidente negligência informacional, oSuperior Tribunal de Justiça (STJ) condenou médico e hospital ao pagamento de R$200.000,00 pelo inadimplemento do dever de informação e consequente ofensa ao direito de autodeterminação do paciente.
Nesse cenário, o especialista havia recomendado um procedimento cirúrgico com duração de 2 horas e anestesia local para tratar os tremores do paciente, resquícios de umtraumatismo cranioencefálico. A despeito de sua própria recomendação, o médico realizou procedimento diferente: com aplicação de anestesia geral, sem que houvesse a prestação de informações adequadas à família e sem a obtenção de seu consentimento. O paciente, que teria chegado consciente ao hospital, após a cirurgia, não mais voltou a andar, tornando-se dependente de cuidados intensivos, inclusive para alimentação.
Embora não tenha sido constatado qualquer erro de ordem técnica na intervenção cirúrgica, a condenação do especialista se deu pelo consentimento genérico (blanket consent) da realização de procedimento distinto do proposto, sem oportunizar ao enfermo e à sua família qualquer chance de ponderar os riscos e de, eventualmente, opor-se ao tratamento.
Na justificativa do voto vencedor, o ministro Luís Felipe Salomão assim proferiu:
Nesse rumo de ideias, de extrema importância esclarecer que o dano indenizável, não é o dano físico, a piora nas condições físicas ou neurológicas do paciente. Todavia, este dano, embora não possa ser atribuído à falha técnica do médico – e que parece mesmo não ocorreu, conforme exsurge dos autos –, poderia ter sido evitado diante da informação sobre o risco de sua ocorrência, que permitiria que o paciente não se submetesse ao procedimento. O dano indenizável é, na verdade, a violação da autodeterminação do paciente que não pôde escolher livremente submeter-se ou não ao risco previsível.
Importante lembrar que a reponsabilidade médica, na esfera cível, só se caracteriza através da existência de um dano real e efetivo, diferentemente da perspectivaético-moral, na qual o resultado danoso não é exigido para apuração da responsabilidade, bastando a exposição a perigo desnecessário.
No tocante à verificação de culpa do profissional, por força do disposto no art. 951 do Código Civil e no §4º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade decorrente da negligência informacional é subjetiva, sendo indispensável a demonstração do elemento. Todavia, em respeito e observância ao princípio da colaboração processual, nada impede que o ônus comprovativo seja incumbido ao próprio médico, uma vez que cada parte deve contribuir com os elementos probatórios que mais facilmente lhe possam ser exigidos.
Por último, destaca-se que, em responsabilidade civil, é do magistrado julgador aprerrogativa exclusiva de determinar se a conduta do profissional foi ou não negligente, não pertencendo ao médico-legista avaliar esse critério. O CFM já se posicionou quanto aisso por meio do Processo-consulta n.º 19/1999:
Processo-consulta CFM n.º 19/1999: Somente o Poder Judiciário (magistratura) e os Conselhos Regionais de Medicina têm competência para, firmando o convencimento, julgar – aquele a existência da culpa estes o delito ético que envolve também a ação ou omissão culposas. Sendo assim, “exorbita competência” o médico-legista emitir parecer, ainda que por indícios, da existência ou não, de negligência, imperícia ou imprudência praticadas por médico, pois isto é um julgamento, missão privativa de juiz ou dos ConselhosRegionais de Medicina.
Logo, verificada a culpa do profissional e desde que conectada em nexo causal com algum dano de qualquer espécie, a negligência informacional, assim designada por quem de direito, gera dever de reparação ao paciente.
4. ESCASSEZ INFORMACIONAL EM EVENTOS RAROS DE SAÚDE E SUAS REPERCUSSÕES
Se cumprir com o dever de informação e obter uma escolha esclarecida do paciente no âmbito das doenças comuns parece ser trabalhoso, fazer o mesmo, no cenário pouco explorado das doenças raras, remete ao impossível.
O obstáculo perpetuado pela falta de acesso à informação, em um panorama como esse, afeta vigorosamente o portador da doença, seus familiares, os profissionais envolvidos, a comunidade científica e a sociedade como um todo, ao passo que desponta indagações sobre a noção de universalidade e integralidade da saúde pública brasileira, trazidas pela CF.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), é considerada rara a doença que afeta 65 em cada 100.000 indivíduos. Elas são, em sua maioria, crônicas, progressivas e incapacitantes, podendo ser degenerativas e rapidamente fatais. Muitas não possuem cura, portanto, a intervenção médica é quase sempre sintomática e busca a diminuiçãodas sequelas.
Outra peculiaridade inerente às doenças raras diz respeito aos diversos sintomas que variam tanto de doença para doença como de pessoa para pessoa acometida pela mesma condição. Manifestações frequentes podem simular doenças comuns, o que dificulta seu diagnóstico e, por consequência, seu tratamento.
O processo terapêutico das doenças raras exige um atendimento especializado e oideal é que seu diagnóstico seja feito à várias mãos, dispondo da avaliação de um geneticista e de especialistas de outras áreas como neurologia, pediatria, fisioterapia, entre outras, a depender dos sintomas do enfermo. A identificação precoce da doença, a informação adequada, o aconselhamento e a assistência regular são elementos primordiais.
Na trilha desse raciocínio, convém pontuar que a atuação médica não é um evento isolado. Para que o profissional cumpra com seu ofício, além de técnica e de capacitação, é necessário o suporte de uma equipe bem treinada, uma estrutura adequada, acolaboração do paciente, o acesso à informação científica e à tecnológica sobre as medidas capazes de identificar e tratar a doença, entre outros requisitos. Em termos práticos, a ausência de qualquer dos elementos citados ocasiona empecilhos à atuação do médico que, em algum momento, suportará as consequências juntamente com o indivíduo sob seus cuidados.
Dito isso, vislumbra-se, na falta de conhecimento médico e científico sobre doenças raras, um problema real e latente. Os estudiosos associam esse fato à escassez deinvestimento em pesquisas e desenvolvimento de fármacos eficazes.
Pelo avançar da tecnologia, a cura para essas doenças poderia estar próxima, porém não é alcançada por falta de incentivo governamental e pelo reduzido interesse da indústria farmacêutica, que não vê possibilidade de maiores lucros nessas pesquisas.
Exemplarmente, Patrícia Alves, tecendo considerações sobre a epidermólise bolhosa, certifica:
A falta de informação sobre a doença rara epidermólise bolhosa (EB), é o que agrava o avanço em seus tratamentos, fato muito preocupante. Por possuir pouquíssimos casos, comparado a outras doenças, ela acaba se tornado desinteressante na comunidade científica e pela falta de pesquisa, ainda não foi possível encontrar uma cura e sim apenas criar um tratamento paliativo para os portadores. 70% dos problemas relacionados às doenças raras seriam resolvidos por meio de um sistema claro de informações sobre essas síndromes. Boa parte dos pacientes fica perdida dentro do SUS [Sistema Único de Saúde] por não saber ao certo que especialista buscar, onde são os centros de referência.
De um lado, depara-se com a deficiência técnica e farmacológica, entravando a diagnose por parte dos profissionais de saúde. Do outro, existe o sofrimento imensurável suportado pela parte mais vulnerável da relação que, além de ter que conviver com os sintomas da doença, custa receber tratamento e informações necessárias para exercer sua autodeterminação.
Embora seja um grande desafio, cabe ao médico buscar a certeza do diagnóstico através de investigação complementar e prestar as informações necessárias para auxiliarno controle da doença e na inclusão social de seu portador.
Cerca de 80% das doenças raras tem origem genética. Com isso em mente e na intenção de se alcançar um diagnóstico preciso, o Ministério da Saúde recomenda o aconselhamento genético, procedimento que também pode auxiliar os médicos no cumprimento de seu dever informacional, vejamos:
O AG é um processo de comunicação que lida com os problemas humanos associados à ocorrência ou ao risco de ocorrência de uma doença genética em uma família. Este processo envolve a participação de pessoas capacitadas apropriadamente, com o objetivo de ajudar o indivíduo ou a família a compreender os aspectos envolvidos, incluindo o diagnóstico, o curso provável da doença e o manejo disponível. Ainda, o AG tem o papel de avaliar como a hereditariedade contribui para a doença e o risco de recorrência nos familiares, bem como compreender as opções para lidar com o risco de recorrência. O AG também fornece subsídio para escolha do curso de ação que pareça apropriado à família, em função dos seus riscos e objetivos; a agir de acordo com sua decisão e a adaptar-se à doença da melhor maneira possível, considerando-se tanto um membro da família afetado quanto o risco de recorrência daquela doença.
E, na sequência, para complementar:
Durante o AG, as informações sobre etiologia, evolução e prognóstico da doença devem ser repassadas ao consulente e/ou familiares, juntamente com as informações acerca do risco reprodutivo. Isso deve ser feito de forma não diretiva e com discussão das opções frente ao risco de ocorrência/recorrência, favorecendo a compreensão e o seguimento da atenção ao consulente e seus familiares.
A negligência informacional e o erro no diagnóstico dessas doenças não só impedem a tomada de decisões autônomas como podem agravar o quadro clínico do enfermo e encorajar tratamentos desnecessários, questões frequentemente judicializadas.
Cumpre dizer que o profissional consegue melhores resultados ao olhar o doente e não a doença. Por isso, os deveres médicos não devem se desvincular da construção de uma relação médico-paciente humanizada, especialmente em casos tão delicados como esses.
Weverton Rosa, baseando-se na Política Nacional de Humanização (Humaniza – SUS), assim afirma:
Seguindo essa linha de abordagem terapêutica e do cuidado, o acolhimento é um dos pontos nevrálgicos da atenção às doenças raras. Não é incomum havermanifestações de famílias e pacientes acerca do tema, uma vez que, com exceção dos centros especializados, prevalece a desinformação na rede de atendimento do SUS, o que invariavelmente agrava a situação de saúde desta população. Nesse sentido, melhorar as formas de acolhimento aos pacientes com doenças raras pode se constituir em estratégia de redução de agravos.
Na mesma trilha, é conveniente mencionar que a transmissão de informações setorna ferramenta fundamental não apenas para garantir um diagnóstico precoce e preciso, mas também para enfrentar adversidades de ordem social como a desconstrução de ideias equivocadas e o combate à negligência midiática que assola o tema.
Sobre o assunto, leciona Aline Cavaca:
As doenças raras, de maneira semelhante, não despertam grandes interesses midiáticos, mas para as associações de pacientes e para os indivíduos acometidos, a visibilização de suas pautas torna-se essencial para maior conhecimento e interesse da sociedade e por parte do Governo. A Hemocromatose é uma doença rara (5 a 10 por cada mil pessoas podem ser portadoras do gene da doença) provocada por distúrbios do metabolismo do ferro, que se acumula principalmente no fígado, coração, pâncreas, pele e articulações, podendo ocasionar insuficiência funcional. Tal patologia agrega não só a negligência midiática, como também outros espectros de negligência política, econômica e até mesmo médica, que, ao ignorar seu diagnóstico diferencial, a torna uma enfermidade subdiagnosticada, subtratada na sociedade.
Na tentativa de combater essa invisibilidade, ao longo dos anos, têm sido implementadas iniciativas governamentais, como a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras (PNAIPDR), descrita na Portaria n.º 199, de 30 de janeiro de 2014; e o Programa de Formação, Capacitação e Informação em Doenças Raras. Inúmeras associações particulares de apoio a portadores de doenças raras também foram criadas. Contudo, ainda há um longo caminho a ser percorrido.
Não sendo bastante o impasse do acesso à informação, os portadores de doenças raras também encontram óbice burocrático na obtenção de medicamentos eficazes paratratar suas condições. Via de regra, são fármacos de custo elevado, quase sempreexperimentais, importados e, por vezes, sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) ou na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Para que uma tecnologia seja disponibilizada pelo Estado, ela deve atender alguns requisitos éticos e científicos. A prioridade da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), órgão responsável por avaliar esses requisitos, são medicamentos com eficácia e eficiência comprovadas.
Pela dificuldade em recrutar voluntários, uma vez que a incidência dessas doençasé baixa, estudos clínicos de grande porte não podem ser realizados. Assim, ainda que um determinado medicamento realmente beneficie os pacientes, a produção de evidências em graus elevados é dificultada.
Já a eficiência do medicamento é mensurada pela ponderação entre o benefício que a tecnologia proporciona para o paciente e o custo que ela representa para o sistema, logo, se dois medicamentos proporcionam o mesmo benefício, aquele que tiver o menor custo é o mais eficiente.
No entanto, o benefício alcançado por um enfermo acometido por doenças comuns pode não ser – e geralmente não é – igualmente favorável ao portador de uma doença rara, fazendo com que esses critérios de avaliação não sejam justos e dificultem ainda mais o acesso ao tratamento.
O que frequentemente acontece é a prescrição médica de tecnologias sem evidências científicas robustas acerca da sua eficácia, justamente pela inocuidade dos demais medicamentos incorporados ao SUS ou disponibilizados pela ANS. Apesar de não ser ideal, essa é a prática que tem funcionado e sido tolerada pelo Judiciário, devido à excepcionalidade das situações e a relevância dos direitos que estão sendo ameaçados.
É o caso da indicação de laronidase para o tratamento da mucopolissacaridose tipo I, avaliada por Raquel da Silva, que assim relatou:
A prescrição médica/laudos médico ainda que destituído de fortes evidências técnicas de efetividade da medicação em uso pelos critérios da MBE tem mostrado poder nas decisões judiciais para o fornecimento do medicamento. Importante salientar que tais justificativas encontram-se fundamentadas no código de ética médica brasileiro, com origens no juramento hipocrático, que instrui o médico no dever do cuidado, com a possibilidade de prescrever o medicamento que lhe esteja disponível, mesmo com evidências limitadas, em benefício do paciente, e isto é corroborado pela ausência de outras formas de tratamento para esta faixa etária, sob o risco de negligência.
Complicações astronômicas sobrevieram da falta de segurança jurídica, forçandoos Tribunais Superiores a se posicionarem. A garantia das terapêuticas pelo SUS foi amparada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando, no Recurso Extraordinário Repetitivo n.º1165959/SP, firmou a seguinte tese:
Cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS.
Com relação às operadoras de assistência à saúde, por muito tempo, perdurou uma discussão acerca da natureza do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS. O Superior Tribunal de Justiça, contrariando seu próprio posicionamento anterior, passou a entender que o rol da ANS deveria ser analisado sob uma perspectiva taxativa, categórica. Se dessa forma continuasse, milhões de usuários de planos de saúde que necessitam de tratamentos não integrados ao rol teriam o direito de uma existência digna negado. Entre esses usuários estariam os portadores de doenças raras.
Após uma intensa mobilização social, foi sancionada a Lei n.º 14.454, de 21 de setembro de 2022, que afastou a natureza taxativa, conferindo ao rol um aspecto meramente exemplificativo.
Com isso, exige-se que os tratamentos não mencionados nessa lista, desde que tenham eficácia científica ou recomendação da Conitec ou sejam recomendados por pelo menos um órgão de avaliação de tecnologias em saúde com renome internacional, como aFederal Drug Administration (FDA) ou a Agência Europeia de Medicamentos (EMA), também sejam assegurados. Cumpre dizer que não são requisitos cumulativos, bastando a incidência de um deles para que o seu fornecimento seja devido.
A aplicação dessa Lei é vista como uma grande vitória, em especial dos portadores de doenças raras, que, além de sofrerem com a morosidade das análises e dos processos de inclusão no rol da ANS, provavelmente, pelos motivos já delineados, nãoteriam acesso aos medicamentos imprescindíveis à garantia da sua saúde.
5. NOTAS CONCLUSIVAS
As doenças raras são caracterizadas por uma soma de incontáveis atribulações e todas elas representam algum defeito de informação: a demora em alcançar umdiagnóstico assertivo; a falta de pesquisas científicas hábeis a contribuir na produção de medicamentos e no desenvolvimento de uma possível cura; o despreparo intelectual dos profissionais de saúde para orientar seus pacientes; a falta de abordagem midiática e de interesse social sobre o tema, entre outras.
Quando refletida no universo dos eventos raros em saúde, a negligência informacional é rapidamente convertida em prejuízos irreparáveis aos seus portadores. A depender do caso concreto, após a devida verificação de conduta, essa responsabilidade poderá ser imputada ao médico.
É nesse contexto que se demonstra a importância de fomentar a mobilizaçãosocial acerca das doenças raras através da implementação de políticas públicas capazes de facilitar o acesso aos tratamentos, da ampliação no desenvolvimento de pesquisas científicas, da criação de campanhas educativas direcionadas ao público leigo e da interlocução entre profissionais da saúde, buscando capacitação para diagnóstico e tratamento.
Todo esse cuidado com o respeito à autonomia do paciente e sua compreensão sobre o próprio quadro de saúde encontra alicerce na preservação do que, ao nosso ver, traduz-se na maior riqueza inerente à condição humana: sua dignidade.
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