The unpredictability of the body’s reaction: the alea as a form of excluding liability in murder arising from a medical act
Fonte: Revista de Direito Médico e da Saúde – nº 26 – Anadem
Mário Francisco Barbosa
Sumário: 1. Introdução. 2. A relações entre o Direito Civil e o Direito Penal. 3. Princípios norteadores. 3.1. Princípio da intervenção mínima. 3.2 Princípio da fragmentariedade. 3.3.Princípio da intervenção mínima – subsidiariedade. 3.4 Princípio da proporcionalidade 4. Princípio da responsabilidade civil e criminal do médico aplicado em caso concreto. 4.1.Responsabilidade civil. 4.2. Responsabilidade criminal. 5. A culpabilidade. 6. A imprevisibilidade da reação do organismo,álea da atividade médica, como causa supra legal de justificação – exclusão de ilicitude. 7. Notas conclusivas. Referências bibliográficas.
Resumo: O presente trabalho, ante a imprevisibilidade da reação de cada organismo, configurando-se como álea da área médica, sustenta que essa é causa supralegal de excludente de culpabilidade do médico, quando observado o emprego rígido da técnica de acordo com a literatura médica, na ocasião em que seja imputada ao profissional a prática do homicídio culposo decorrente de seu ato médico.
Palavras-chave: Direito Civil. Direito Penal. Excludente de culpabilidade. Homicídio culposo. Ato médico. Álea.
Abstract: The present work, in view of the unpredictability of the reaction of each organism,configuring itself as an alea of the medical field, maintains that this is a supralegal cause of excluding the doctor’s guilt, when observing the rigid use of the technique according to the medical literature, in the occasion in which the professional is charged with the practice of manslaughter resulting from his medical act.
Keywords: Civil Law. Criminal Law. Exclusion of cupability. Manslaughter. Medical act. Alea.
1. INTRODUÇÃO
Difícil encontro conosco mesmos é quando nos propomos sair da zona de conforto e clinicar nas doenças (mazelas) sociais. Essa é a missão dos advogados: doutores da lei e verdadeiros médicos da sociedade.
Entretanto, cumpre observar que vivemos o relativismo de preceitos e de valores: terem detrimento ao ser. Forçosamente, a madrasta economia vem sobrepondo a mãe filosofia –voltamos a viver do pão e do circo. Não diferentemente, os preceitos jurídicos criminais estão sendo flexibilizados sem pudor algum.
Contextualizado o cenário no qual vivemos, tratará o presente trabalho de princípios norteadores do Direito Penal que demonstram que o instituto deve ser aplicado somente em casos graves e relevantes. Após, será demonstrada a relação entre Direito Civil e Direito Penal, assim como o conceito da culpabilidade.
Através de um caso prático, que alcançou repercussão em vários ramos do direito, demonstrar-se-á como é aplicado o nexo de causalidade, nas esferas cível e criminal,envolvendo o ato médico.
Feito isso, será sustentado que, ante a imprevisibilidade da reação do organismo – álea de cada indivíduo –, o instituto é uma excludente de culpabilidade para o homicídio culposo decorrente de ato médico, quando respeitada a literatura médica.
2. AS RELAÇÕES ENTRE O DIREITO CIVIL E O DIREITO PENAL
Atualmente, no Brasil, um único ato médico pode gerar reflexos jurídicos em diversas áreas do direito, como processo ético disciplinar, processo civil, processo criminal e, caso o profissional seja funcionário público, ainda poderá sofrer processo administrativo disciplinar. Todavia, a seguir será analisada, de forma breve, a relação entre o Direito Civil e o Direito Penal.
Cumpre esclarecer que o Direito Civil é um ramo do Direito Privado e que, por sua vez, o Direito Penal se inclui no Direito Público. Ou seja, o Direito Privado trata das relações interindividuais e dos interesses privados. No âmbito do Direito Público, são alcançados oscaracteres social e organizacional da sociedade como um todo.
Todavia, existem pontos de contato, a saber:
Os Direitos Penal e Civil intrincam-se por diversas frentes, entre as quais a da licitude, a da responsabilidade do agente, bem como pela proteção a diversos valores, albergados tanto nas leis civis quanto nas criminais.
No que se refere à licitude, dada a unidade do sistema jurídico, reconhecendo-se permitida determinada conduta à luz de disposição contida em norma civil, ainda que o ato possa corresponder a algum tipo penal, não haverá crime. Isto porque a existência de uma autorização, mesmo prevista fora do campo das normas penais, constituirá um comportamento produtor de riscos permitidos, ou seja, juridicamente aprovados e, portanto, sem qualquer conotação criminosa.
No que tange às responsabilidades penal e civil, ainda que uma seja independente da outra, existem hipóteses em que a fixação na esfera criminal alcança a civil – art. 935 do Código Civil (CC), Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Quando em sentença criminal transitada em julgado reconhecer a materialidade e a autoria, condenando o réu a reparar odano causado (inciso I do art. 91 do Código Penal [CP], Decreto-Lei n.º 2.848, de 07 de setembro de 1940), vinculará a sentença no âmbito cível por constituir título executivo judicial (inciso II do art. 475 -N do Código de Processo Civil -CPC-, Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015).
Apesar disso, a responsabilidade penal é individual e personalíssima (inciso XLV do art. 5º da Constituição Federal [CF]), diferente do Direito Civil que admite a responsabilidade por ato de terceiro (art. 932 do CC).
Dessa forma, feita a diferenciação entre um instituto e o outro e a abrangência da responsabilidade de cada qual, apontando os pontos que se relacionam, é possível avançar.
3. PRINCÍPIOS NORTEADORES
3.1. Princípio da intervenção mínima
Define Dotti (2013, p. 118-119) o princípio da intervenção mínima como:
A defesa do princípio da intervenção mínima, que identifica o chamado Direito Penal mínimo, constitui uma das expressões mais vigorosas do movimento crítico que se propõe a discutir e avaliar a crise do sistema positivo, depurando-o da insegurança jurídica e da ineficácia a que conduz o fenômeno da hipercriminalização.
Hoje, mais do que ontem, em um passado não muito distante, notamos que, em todas e quaisquer mazelas dos súditos do Estado, o legislador vem se socorrendo com as leis penais para impor o seu interesse ou o de grupos de pressão, banalizando e enfraquecendo o poder coercitivo do Direito Penal.
Nesse sentido, Dotti (Ibid., p. 118-119), argumenta:
Deve-se admitir, no entanto, que o problema não é novo e muito menos restrito a esse ou àquele país. Montesquieu já deplorava “esse número infinito de coisas que um legislador ordena ou proíbe, tornando os povos mais infelizes e nada mais razoáveis”. E muitos outros, antes ou depois dele, também lamentaram o fenômeno, a exemplo de Lao Tseu, Le Tao to King: “Quando mais interditantes, /mais a desordem alastra, /mais se desenvolve a inteligência fabriqueira, /mais estranhos produtos aparecem, /mais se multiplicam os regulamentos, /mais florescem os ladrões e os bandidos”.
Assim, podemos afirmar que o fundamento coerente do princípio em voga “é a existência de um direito penal mínimo, i. e, um conjunto de princípios e regras que reserve a pena criminal para as mais graves lesões aos bens jurídicos” (Ibid., p. 118-119).
3.2. Princípio da fragmentariedade
O princípio da fragmentariedade deriva do princípio da intervenção mínima e, como o próprio vocábulo remete, trata-se de fragmento por ser tão somente parte de um todo.
Para Nucci (2014, p. 29), o princípio da fragmentariedade significa que:
[…] nem todas as lesões a bens jurídicos protegidos devem ser tuteladas e punidas pelo direito penal, pois este constitui apenas uma parte do ordenamento jurídico. Fragmento é apenas a parte de um todo, razão pela qual o direito penal deve ser visto, no campo dos atos ilícitos, como fragmentário, ou seja, deve ocupar-se das condutas mais graves, verdadeiramente lesivas à vida em sociedade, passíveis de causar distúrbios de monta à segurança pública e à liberdade individual. O mais deve ser resolvido pelos outros ramos do direito, através de indenizações civis ou punições administrativas. Não deixa de ser um corolário do princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade do direito penal. Pode-se, ainda, falar em fragmentariedade de 1.º grau e de 2.º grau. A primeira refere-se à forma consumada do delito, ou seja, quando o bem jurídico precisa ser protegido na sua integralidade. A segunda cinge-se à tentativa, pois se protege o risco de perda ou de lesão, bem como a lesão parcial do bem jurídico.
Nesse viés, o Direito Penal deve ser visto, no campo dos atos ilícitos, como fragmentário, pois o instituto tem que se valer somente de condutas graves maléficas aos indivíduos da sociedade. Em outras palavras, o Direito Penal é para ser aplicado somente em condutas avaliadas como mais graves.
3.3 Princípio da intervenção mínima – subsidiariedade
Por sua vez, o princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade caminha debraços dados com os princípios alhures citados, pois também defende a intervenção mínima do Estado em relação à aplicação da lei penal.
De acordo com Nucci (2014, p. 28), o princípio da intervenção mínima quer dizer que:
[…] o direito penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo, retirando-lhe autonomia e liberdade. Afinal, a lei penal não deve ser vista como a primeira opção (prima ratio) do legislador para compor os conflitos existentes em sociedade e que, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da humanidade, sempre estarão presentes.
Logo, devemos deixar de aplicar o estado de polícia (força bruta) como primeira opção para a resolução dos conflitos humanos. Sem embargos, Zaffaroni (2009, p. 189-190) advoga:
El más elemental sentido común indica que no puede ser eficaz la limitación de los derechos de todos los ciudadanos para contener el poder punitivo que se ejerce sobre estos mismos ciudadanos. La admisión resignada de um trato penal diferencial para um grupo de autores o criminales graves no puede ser eficaz para contener el avance del actual autoritarismo cool em el mundo, entre otras razones porque no será posible reducir el trato diferencial a um grupo de personas, sino que se reducirán las garantías de todos los ciudadanos ante el poder punitivo, dado que no sabemos ab initio quiénes son essas personas. El poder selectivo está siempre em manos de agencias que lo emplean según interesses coyunturales y lo usan también para otros objetivos.
Doutrinariamente, é consolidado que “o direito penal é considerado a ultima ratio, isto é, a última cartada do sistema legislativo, quando se entende que outra solução não pode haver senão a criação de lei penal incriminadora, impondo sanção penal ao infrator” (NUCCI, 2014, p. 28). Todavia, infelizmente, na prática, o sentimento é outro. O Direito Penal se tornou a primeira opção em detrimento aos demais ramos do direito, um verdadeiro garantidor do estado democrático de direito.
É aquela máxima verdadeira: o indivíduo só compreende o efeito do abuso do estado de direito quando sofre, sente na própria pele, o ato arbitrário (abuso de poder). Até lá, como se fazia desde Roma, diverte-se com o combate (desgraça) do outro, mesmo quando notória a falta de paridade de armas entre aquele e o Estado.
3.4 Princípio da proporcionalidade
Nader (2016, p. 169) define o princípio da proporcionalidade como:
[…] critério de aplicação do Direito, não de interpretação. Esta visa a dizer o Direito vigente, ainda que o intérprete tenha harmonizado velhas fórmulas a um mundo novo. Na aplicação do princípio, o aplicador avalia os critérios adotados no esquema legal, a fim de apurar o nexo de razoabilidade entre os motivos, meios eleitos e fins colimados.
Portanto, atrelada com a popular teoria do justo-meio de Aristóteles, que,analogicamente, remete-nos à proporcionalidade somente quando alcançado o equilíbrio entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, o justo e o injusto. Assim, o meio entre eles seria a linha tênue da proporcionalidade.
O dito princípio apresenta três requisitos (NADER, 2016, p. 169):
a) o de adequação; b) o de necessidade ou exigibilidade; c) o da proporcionalidade. Pelo primeiro se apura o nexo de objetividade entre o benefício que se quer alcançar com a lei e as medidas adotadas. Depois, indaga-se da possibilidade de se alcançar o benefício pretendido mediante fórmula mais favorável aos destinatários, ou seja, que lhes imponha ônus menor. Finalmente, avalia-se a conveniência da medida, considerando-se de um lado o benefício a ser alcançado e, de outro, os encargos a serem impostos. A proporcionalidade diz respeito a intensidade da fórmula adotada. A medida às vezes parte de critério plausível, racional, justo, mas se desconfigura diante da intensidade com que é aplicada. Conforme ainda Bandeira de Mello, “os atos cujos conteúdos ultrapassem o necessário para alcançar o seu objetivo que justifica o uso da competência ficam maculados de ilegitimidade […].
Ou seja, o operador afere os critérios adotados na norma legal, a fim de apurar o nexo de razoabilidade entre os motivos, os meios eleitos e os fins pretendidos, aplicando,proporcionalmente, a intensidade (o justo-meio) a cada caso concreto, após a verificação da adequação, da necessidade ou da exigibilidade e da proporcionalidade propriamente ditas.
4. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE CIVIL E CRIMINAL DO MÉDICO APLICADO EM CASO CONCRETO
4.1. Responsabilidade civil
Como afirmado inicialmente, um único ato médico pode gerar reflexos jurídicos em diversas áreas do direito, como processo ético disciplinar, processo civil, processo criminal e,caso o profissional seja funcionário público, ainda poderá sofrer processo administrativo disciplinar. Então, a escolha do caso prático para enfrentar o tema proposto se baseou justamente em um único ato médico, o qual ocasionou quatro processos para a médica:processo no Conselho Regional de Medicina, processo administrativo disciplinar, processo civil e processo criminal.
Porém, atentar-nos-emos ao estudo de caso do processo civil, que tratou de ação de reparação de danos materiais e morais, propostos por M. S. F. e M. J. S. contra o município de Tamarana e a médica C. V. A. A. C., com fundamente nos arts. 43, 186, 927 e 951 do CC, combinados com o § 6º do art. 37 da CF.
Em breve síntese, os autores do processo de reparação de danos, que tramitou sob o n.º 64097-97/2010, na 1ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Londrina, estado do Paraná, relataram serem pais da criança E. G. F. S., que teria falecido em 24 de junho de 2009, tendo como causa morte “reação anafilática” após ser medicado com dipirona pela médica C. V. A. A. C., que atendia no Hospital Municipal de Tamarana. Sustentaram que a médica agiu negligentemente, visto que administrou a medicação em questão “sem se preocupar com o efeito colateral ou mesmo realizar os exames necessários, mesmo tendo tempo para tomar todas as providências”. Após, invocaram a responsabilidade dos réus pelo erro médico, pedindo condenação desses a pagarem pensão alimentícia e a compensar os danos morais.
A médica C. V. A. A. C., após ser citada, contestou a demanda afirmando ser inaplicável o Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, ao caso dos autos em questão. Asseverando que a responsabilidade civil do médico depende de comprovação de sua atuação culposa, mesmo porque se trata de contrato de meio (e não de resultado). Relatou que, diante do quadro clínico apresentado pelo paciente, a administração da dipirona era a medida mais recomendada, não sendo possível prever a reação anafilática que o levou a óbito. Avocando, ainda, em seu favor, o caso fortuito, a culpa exclusiva da vítima e o fato de terceiro como excludentes do nexo causal, impugnando os pedidos de indenização por danos materiais e morais e, consequentemente, a improcedência da demanda.
Após, o município de Tamarana também contestou, contudo, como o foco é a responsabilidade civil da médica, desprezar-se-ão as teses sustentadas pelo ente público.
Com réplica, o processo foi saneado, vindo o juízo a considerar as partes legítimas e bem representadas, invertendo o ônus da prova e deferindo os pedidos de produção das provas periciais e oral.
Juntado o laudo do perito, que foi complementado, facultou-se, em detrimento ao devido processo legal, a manifestação das partes, sendo os autos conclusos para sentença, nos quais, de plano, revogou-se a decisão que deferiu o pedido de produção de prova oral por considerar o juízo que “o laudo elucidou com precisão e completude todas as questões de fato, cujo exame se mostra necessário para o julgamento da causa”, vindo a julgar os pedidos formulados pelos autores na peça vestibular improcedentes por compreender que:
O perito judicial, de forma muito clara, afirmou que a conduta da médica requerida – a saber, administrar dipirona ao paciente E. G. F. S., considerando o seu quadro clínico – foi adequada e seguiu o padrão recomendado pela literatura especializada (fls. 282, quesito 2.a; quesitos 3.a, 3.b e 3.c – fls. 282-283).
Mais adiante, indago se o tempo em que o paciente permaneceu em observação no hospital após a ré ministrar-lhe a dipirona (10h54 às 11h40) seria suficiente para a detecção do início de possível quadro anafilático. O perito respondeu afirmativamente (fls. 284, quesito 5.g). Diante disso, o expert foi categórico ao afirmar que a médica ré não agiu com culpa (fls. 285, item 8, letra “b”), “mostrando-se diligente no atendimento, usando os recursos existentes no Hospital Municipal de Tamarana” (fls. 286, item 12).
Além disso, ao responder aos quesitos suplementares, o perito observou que a “profissional esclareceu riscos sobre a evolução do quadro e informou os pais sobre o procedimento a ser adotado”, para ao final concluir: “A) O risco de anafilaxia induzido por Dipirona é baixo” (fls. 327-328).
Ora, diante desse contexto, não há como se imputar ao Município de Tamarana e à médica ré qualquer ato de imperícia, negligência ou imprudência. Insista-se: a imprevisível reação anafilática que levou o paciente a óbito não poderia ter sido evitada pela profissional que o atendeu, a qual adotou todos os procedimentos preconizados pela literatura médica especializada.
De fato, considerado o estágio atual da ciência médica, vê-se que as técnicas de diagnóstico lamentavelmente ainda não evoluíram ao ponto de afastar por completo o risco de intercorrência como a relatada nos autos. É por isso que diviso presente, aqui, o que a doutrina denomina de erro profissional que não se confunde com a imperícia. Veja-se o magistério de Flávio Augusto Monteiro de Barros: “Já o erro profissional é o que decorre da falibilidade das regras da ciência. Difere da imperícia. No erro profissional, o agente observa as regras do ofício, que, no entanto, por estarem em constante evolução, mostram-se imperfeitas em determinado caso concreto (ex: o anestesista ministra corretamente o medicamento na paciente, observando com rigor as regras da medicina, mas mesmo assim a morte sobrevém). O erro profissional exclui a culpa, pois a falha já não é do agente inobservar as regras recomendadas pela profissão, arte ou ofício. A imperícia constitui uma das modalidades de culpa, visto que a falha não deriva da ciência, mas do próprio agente” (Direito Penal – parte geral, Saraiva, 1999, p. 178 – grifei).
4. Por fim, sem qualquer consistência o pedido de realização de nova perícia (fls. 328-329). O laudo pericial e seu complemento se mostram perfeitamente coerentes, fornecendo informações claras, completas e seguras sobre os pontos controvertidos. O só fato de suas conclusões se mostrarem aos autores não autoriza a repetição da perícia, sobretudo porquanto esses não impugnaram a tempo o modo a qualificação do perito nem indicaram assistente técnico. Como decidiu o STJ, “Sem que a parte interessada tenha impugnado oportunamente a qualificação do perito ou nomeando assistente técnico, não pode impor ao juiz a realização de nova perícia, apenas porque a primeira lhe foi desfavorável” (REsp. n. 217-847, Terceira Turma, rel. Min. Castro Filho, julg. 4.5.2004, DJ de 17.5.2004).
Em conclusão, é de se declarar improcedente a pretensão indenizatória.
5. Do exposto, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos formulados na petição inicial, resolvendo o processo com exame de mérito (CPC, art. 269, I).
Nesse contexto, não teve como imputar à médica ré qualquer ato de imperícia, negligência ou imprudência ante a imprevisível reação anafilática, que levou o paciente a óbito, pois não poderia ter sido evitada pela profissional que o atendeu, a qual adotou todos os procedimentos preconizados pela literatura médica especializada (imprevisibilidade da reação do organismo – álea). É como lavrou o julgador do caso: “De fato, considerado o estágio atual da ciência médica, vê-se que as técnicas de diagnóstico, lamentavelmente, ainda não evoluíram ao ponto de afastar por completo o risco de intercorrência como a relatada nos autos”.
Todas as regras da medicina foram observadas rigorosamente, mas, mesmo assim, forçosamente, a morte sobreveio. Não obstante, insatisfeita com o resultado da demanda, a parte autora interpôs recurso de apelação ao Tribunal de Justiça paranaense, requerendo a declaração de nulidade da sentença pelo cerceamento de defesa, pois o magistrado a quo deferiu a produção de prova oral e determinou a inversão do ônus da prova, mas, logo após a realização da perícia, decidiu por julgar a lide, revogando a produção de prova oral e não considerando a negligência da médica; que o perito utilizou apenas a palavra da segunda apelada para fazer o laudo (exame indireto), não tendo tido acesso direto ao corpo da vítima, razão pela qual se faria necessária a inquirição da apelada e das testemunhas arroladas, devendo, ainda, ser reconhecida a negligência da médica, que tramitou sob o n.º 1.158.271-9, cuja relatoria recaiu na pessoa do eminente juiz relator Péricles Bellusci de Batista Pereira, da 3ª Câmara Civil, do Tribunal de Justiça do Paraná, e, ao votar o apelo, restou decidido:
APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. RAZÕES DE RECURSO CONTRA OS FUNDAMENTOS ADOTADOS EM SENTENÇA. LEGITIMIDADE DE PARTE VERIFICADA. O DISPOSTO NO ART. 37, § 6º, DA CF, NÃO VEDA O LITISCONSÓRCIO PASSIVO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. CABE AO JUIZ DETERMINAR AS PROVAS NECESSÁRIAS. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE O ATO DE AGENTE ESTATAL E O DANO. ATUAÇÃO, POR AGENTE PÚBLICA, DE FORMA COERENTE E FUNDAMENTADA EM PRÁTICA PADRONIZADA PELA LITERATURA ESPECIALIZADA. Só há violação ao princípio da dialeticidade quando as razões de recurso não combatem os termos da decisão recorrida, aduzindo alegações genéricas. A segunda apelada, na qualidade de médica, é parte legítima para figurar no polo passivo, pois o art. 37, § 6º, da CF, não veda o litisconsórcio passivo facultativo. Inexiste cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide quando o magistrado entender que não há necessidade da produção de prova em audiência. O objeto da prova é o fato relevante para a solução da divergência. Sendo o juiz o destinatário da prova, somente a ele cabe dirimir sobre a necessidade de sua realização. O laudo pericial concluiu que o procedimento médico adotado estava correto, fundamentado em prática padronizada pela literatura especializada e de acordo com a estrutura do hospital, o que configura a ausência de nexo causal entre o dano e o ato praticado por agente público. Apelação não provida (por maioria).
Os apelantes defenderam, em suas razões recursais, que deveria ser reconhecida a culpa da médica por ter atuado, segundo os recorrentes, com negligência, causando o óbito do menor E., e que o justo era haver a condenação da médica e do Hospital de Tamarana pordanos morais e materiais.
No entanto, ao compulsar o laudo do exame de necropsia n.º 2316/2009 – CBP (fls. 43), aferiu-se que foi positiva para a presença de dipirona com teor de 14,6 ug/ml (laudo n.º 7266/09), e diagnosticou que a causa do óbito foi reação anafilática grave à dipirona. Porém, por meio da produção de prova pericial (fls. 278), constatou-se que a profissional da medicina procedeu de forma coerente e fundamentada em prática padronizada pela literatura especializada nos dois atendimentos prestados ao paciente (item 2.a – fls. 282).
O perito judicial chegou a esclarecer que a aplicação de dipirona poderia ter sido precedida de testes, os quais devem ser aplicados por médico especialista (alergologista), que deve analisar cada caso para definir a melhor forma de testagem (itens 5.l, 5.n e 5.o – fls. 283). Disso, verificou o julgador que não cabia à médica que atendeu o menor, conforme os seus títulos de especialização (fls. 130/132), no Pronto-socorro, ter procedido aos testes, até mesmo porque são raros os casos de alergia ao medicamento.
Por não haver a possibilidade de fazer esse teste no momento, foi reconhecido que a médica agiu corretamente ao deixar o paciente em observação no hospital, pelo prazo de 46 minutos, conforme fez prova o documento de fls. 52, das 10:54 horas, quando foi injetado o medicamento, até as 11:40 horas da manhã (fls. 267 e fls. 284 quesito 5.s). Esse período, foiconsiderado pelo tribunal suficiente para que tivesse início o quadro anafilático desencadeado pela dipirona, razão pela qual o procedimento da médica foi considerado adequado.
Ainda segundo o mesmo laudo, quando o menor retornou às 20h, já em estado grave pelo tempo decorrido entre a percepção do agravamento do quadro do menor, às 16h30min, e a sua chegada ao hospital, o procedimento adotado pela profissional – tentativa de restabelecimento da estabilidade hemodinâmica – foi avaliado como adequado, estandodentro das possibilidades do serviço e da estrutura hospitalar, de acordo com o eminente relator.
O perito judicial concluiu que a demora no deslocamento foi responsável pela evolução no quadro do menor e, em quesitos complementares (fls. 318, 321 e 326), que a médica, mesmo sabendo da distância entre a residência do menor e o hospital, poderia tê-lo liberado com o histórico febril apresentado, uma vez que houve o esclarecimento dos pais sobre os riscos da evolução do quadro e sobre os procedimentos a serem adotados, o que se coaduna com o relatado pelos próprios apelantes à folha 217.
Ressaltou, ainda, o nobre magistrado que não foi possível estabelecer inequivocamente uma relação direta de causa e efeito entre a reação anafilática e a medicação realizada no hospital naquele mesmo dia – conforme os itens 7.d, 7.e e 7.h, fls. 284 –, o que rebateu, inclusive, a insurgência da Procuradoria Geral de Justiça quanto à aplicação de 0,3ml de dipirona ao menor.
Assim, não havendo provas de que houve o nexo causal entre o dano – óbito do menor– e a prestação do atendimento médico, inexistiu dever de indenizar, não dando o relator provimento ao recurso.
4.2. Responsabilidade criminal
Na esfera da responsabilidade criminal (autos crime n.º 0058393-35.2012.8.16.0014, que tramitou na 2ª Vara Criminal de Londrina, Foro Central de Londrina, da Região Metropolitana de Londrina), o Ministério Público, titular da ação penal, defendeu que amédica C. V. A. A. C. agiu com incurso nas disposições do art. 121, §§ 3º e 4º, combinadascom o art. 13, § 2º, “a”, ambos artigos do CP (homicídio culposo), valorando o ato médico em sua denúncia da seguinte forma:
No dia 24 de junho de 2009, no Hospital Municipal de Tamarana (Hospital São Francisco), nessa Comarca, veio a óbito a vítima E. G. F. S., de 05 meses, em decorrência de choque anafilático após utilização de dipirona pela via intramuscular (cf. Laudo do Exame de Necropsia n.º 2316 incluso).
Segundo se apurou, no dia 24.06.2009, por volta das 10h30min, o menor E. G. F. S. foi levado, por seus pais, ao Hospital Municipal São Francisco de Tamarana, em razão de apresentar sintomas de tosse e febre surgidas naquele mesmo dia, ocasião em que foi atendido pela médica denunciada C. V. A. A. C., a qual, após a realização de exame clínico e radiografia dos pulmões, estabeleceu diagnóstico de resfriado comum (IVAS – infecção de vias aéreas superiores), registou que não havia encontrado alterações na garganta, nos pulmões e nem sinais de meníngeos, bem como medicou a vítima com 0,3ml de dipirona por injeção intramuscular, tendo liberado a vítima, logo em seguida.
No mesmo dia, 24.06.2009, a vítima E. G. F. S. voltou a passar mal, com piora dos sintomas, razão pela qual foi levada novamente ao Hospital Municipal São Francisco de Tamarana, sendo atendido, por volta das 20h15mim, pela médica C. V. A. A. C., a qual registrou que a criança estava com piorado quadro clínico, com vômitos e manchas arroxeadas disseminadas no corpo, principalmente no pescoço e região perioral, sendo que foi medicado com Decadron 0,3ml e Adrenalina 0,1ml e, logo após, veio a óbito, por volta das 20h30min.
Os inclusos prontuários médicos foram analisados pela Dra. S. K. M. P., médica do Ministério Público, que elaborou o incluso PARACER MÉDICO, no qual se destacam os seguintes trechos:
(…)
CONSIDERAÇÕES:
De acordo com o laudo do Instituto Médico Legal de Londrina, o menor E. G. F. S., de 5 meses de idade, apresentou como causa de seu óbito um choque anafilático pós utilização de dipirona pela via intramuscular.
O choque anafilático resultante do uso de medicamentos é descrito na literatura como sendo imprevisível, sendo a anafilaxia a forma mais grave de manifestação alérgica e constitui verdadeira emergência médica. (…) Esta reação pode ter agentes causais diversos, e entre eles: venenos de insetos (formiga, abelha), alimentos (frutos do mar, amendoim, ovo), medicamentos (antibióticos do grupo beta-lactâmico, anti-inflamatórios, analgésicos, anestésicos, contraste radiológico), porém o diagnóstico da síndrome da anafilaxia é primordialmente clínico.
Como medida farmacológica, a adrenalina desempenha o principal papel na abordagem do paciente com anafilaxia.
(…) Assim, age com excelência na redução das chances de colapso cardiovascular e de obstrução das vias aéreas, duas principais causas de óbito durante um evento anafilático.
Não utilizar a adrenalina ou retardar o seu uso, pode acarretar prejuízos ao paciente, principalmente porque o curso da anafilaxia é imprevisível, e não há contraindicação ao seu uso durante o manejo do paciente em uma reação anafilática, mesmo com coronariopatia prévia.
No atendimento a crianças na parada cardiorrespiratória, algumas particularidade devem ser consideradas como o fato de que a parda cardíaca súbita em crianças ser um evento pouco comum. (…) A falência cardiopulmonar se caracteriza por oxigenação, ventilação e perfusão tecidual inadequadas, e clinicamente o paciente se apresenta cianótico, com respiração agônica (…).
Continua a médica do Ministério Público:
(…)
A meta das intervenções terapêuticas é o retorno da circulação espontânea, definido como a restauração de ritmo cardíaco espontânea (ao monitor é o aparecimento de atividade elétrica organizada) com perfusão (pulsos centrais palpáveis e pressão arterial mensurável).
(…)
As manobras de abertura de vias aéreas e ventilação, principalmente na parada cardíaca em crianças, cuja principal causa é a hipóxia, são extremamente importantes e não podem ser retardadas (….).
O acesso venoso deve ser estabelecido assim que se detectar uma situação de emergência. A prioridade para o estabelecimento do acesso vascular deve ser na seguinte sequência: intravenoso, intraósseo e endotraqueal.
[…]
Conclui a referida médica o seu Parecer, nos seguintes termos:
“Pode-se concluir, com os dados documentais e literatura médica, que a conduta realizada no atendimento emergencial ao menor E. G. F. S., de 5 meses, no Pronto Socorro do Hospital de Tamarana, não respeitou o que preconiza a boa prática médica, conforme orientações técnicas de conduta e diagnóstico ao paciente.
Ademais, consta do incluso Laudo do Exame de Necropsia que o reconhecimento do paciente com anafilaxia deve ser o mais rápido possível, e o tratamento deve ser iniciado imediatamente para diminuir o risco de rações fatais. A presença de estridor, edema da glote, dispneia intensa, sibilos, hipotensão, arritmia cardíaca, choque, convulsões e perda da consciência são sinais de alarme para anafilaxia com risco de vida iminente.
Ademais, afirma o médico legista que “no presente caso se vê que uma parte destes sintomas estava presente quando do retorno da vítima ao hospital. O comprometimento do estado geral, as alterações pulmonares surgidas poucas horas depois de medicada com dipirona e as manchas na pele (exantema) são sintomas e sinais que não estavam presentes na primeira consulta e foram observados depois na consulta de retorno, sendo forte indicativo da anafilaxia grave, induzida pelo medicamento dipirona”.
Portanto, pelo que se depreende das provas mencionadas, verifica-se que a denunciada C. V. A. A. C. não adotou, no Hospital Municipal São Francisco de Tamarana, na ocasião, os procedimentos médicos preconizados pela literatura médica, deixando de realizar as intervenções terapêuticas necessárias, a fim de evitar as complicações do choque anafilático, decorrente da aplicação de dipirona pela via intramuscular na vítima.
Deixou a denunciada, assim, de seguir as orientações já consagradas para a condução de um caso envolvendo o choque anafilático. Devia , a denunciada, ter iniciado a RCP, já que as manobras de abertura de vias aéreas e ventilação na parada cardíaca em crianças são extremamente importantes e não podem ser retardadas, devendo-se combinar a massagem cardíaca e a ventilação com a medicação.
No presente caso, não se constataram outras alternativas para administração da adrenalina, tendo a denunciada APENAS administrado uma única dose de adrenalina pela via subcutânea, após o insucesso da via endovenosa periférica, QUANDO OUTRA VIA DE ADMINISTRAÇÃO ERA NECESSÁRIA, CONFORME PROTOCOLO DE ATENDIMENTO NA EMERGÊNCIA.
A denunciada, pois, enquanto profissional da medicina, garantidora dos pacientes sob seus cuidados, conduziu-se na ocasião de forma não-diligente, infringindo, assim, um dever objetivo de cuidado, agindo com culpa, nas modalidades de NEGLIGÊNCIA E IMPERÍCIA, dando causa à morte da vítima E. G. F. S., em decorrência de não observância ao protocolo de atendimento à PCR na criança sob seus cuidados, na medida em que como demonstrado, inobservou os deveres exigidos pelas circunstâncias; demonstrando inação, indolência, inércia, passividade, despreparo prático e falta de conhecimento necessário exigido para a profissão, ou seja, de normas técnicas básicas dessa profissão”.
A denúncia foi recebida pelo juízo, oportunidade em que determinou a citação da médica para responder à ação criminal, que, citada, apresentou a resposta à acusação,sustentando: I – Da inépcia formal da exordial acusatória. Ausência de descrição de fatos criminosos. Ausência de descrição de imprudência, negligência ou imperícia do profissional médico. Prejuízo à defesa; II – Da inépcia material da denúncia. Falta de lastro probatório mínimo; III – Da ausência de demonstração de culpa nas modalidades de negligência e imperícia – Ausência de justa causa – Trancamento da ação penal; IV – Da nulidade processual. Violação do dever de motivação. Precedentes do Supremo Tribunal Federal; V – Pedido de absolvição sumária; e, por fim, VI – Requeridas diligências em caráter de imprescindibilidade e arrolado testemunhas. Após análise, o juízo a quo forçosamente rechaçou as teses defensivas, determinando o prosseguimento do processo criminal, marcando a audiência de instrução e julgamento, sendo, na oportunidade, inquiridos os pais da suposta vítima, as testemunhas de acusação e as testemunhas de defesa; realizado o interrogatório, abrindo o prazo para as respectivas alegações finais pelas partes, que, apresentadas, os autos foram remetidos para sentença.
No que tange à instrução criminal, foi demonstrado que a ação penal nasceu fadada à morte. O processo foi sustentado apenas por um parecer médico, produzido unilateralmente pelo médico perito do Ministério Público, que contrariou com força – exacerbando seu mistercomo perito médico – o que fora decidido pelo Conselho Regional de Medicina, pela Corregedoria do Município de Londrina e pelo Juízo Cível.
Todavia, após o magistrado realizar o cortejo do conjunto probatório, compreendeuque não teve como imputar o resultado (morte) a uma omissão da médica, enquanto estava em posição de garante da vítima E. G. F. S.
Inicialmente, ressaltou que o resultado observado foi uma fatalidade. Porém, acertadamente, focou em apurar se cabia responsabilização penal à médica C. V. A. A. C. em razão de sua conduta no atendimento à vítima e não em encontrar, a qualquer custo, um responsável pelo resultado (morte) observado.
No entendimento do juiz, a ré agiu diligentemente em seu ofício, não podendo ser responsabilizada pelo resultado (morte) verificado, na medida em que outros fatores que lhe escaparam à apreensão e à deliberação ocasionaram ou auxiliaram a ocasionar a morte do filho de M. S. F. Considerou, em relação ao primeiro atendimento, que a médica agiu de forma diligente, pois a criança foi submetida à triagem, à consulta pela médica e ao exame físico. Foi também pedido exame radiográfico de tórax e, enquanto se esperava o resultado, que, conforme testemunhas, demorou a sair, foi aplicado o medicamento dipirona. Enfatizou,inclusive, que, ao tempo da consulta de retorno pela manhã, a médica constatou que a criança não estava mais febril e que a radiografia não demonstrava secreção na região torácica. Com isso, diagnosticou o caso como um resfriado comum, passou receita de remédio à mãe e orientou-a a retornar em caso de piora.
Ponderou, levando em consideração os argumentos da mãe da vítima e das testemunhas, que não havia sinais de piora e que tudo estava em ordem com a criança. Nesse sentido, julgou que não é cabível se exigir da médica que antecipasse as condições da família da vítima, impedindo-a de retornar à sua casa, argumentando que “A apresentação de uma piora tão drástica na criança escapava ao entendimento da médica e até mesmo à genitora da vítima”.
Frisa-se que, no caso concreto, os especialistas indicaram que a reação alérgica a medicamentos costuma se dar de forma instantânea, o que não ocorreu no presente caso, ficando demonstrado que a criança ficou no hospital por tempo suficiente para que se notasse estado afebril a indicar que o remédio estaria surtindo os efeitos dele esperados.
Com a piora da criança, ao final da tarde daquele fúnebre dia, os pais da vítima E. G. F. S. se esforçaram para chegar brevemente ao hospital. Porém, enfrentaram inúmeras dificuldades, como residir em zona rural e longe da área urbana; ocorrência de chuva;problemas mecânicos no carro, entre outros – a desgraça anunciada. Essas condições consistiram em um infortúnio lamentável. Não podem ser condicionadas à atuação da acusada na condição de médica e, sem sombra de dúvida, contribuíram para a morte de E. G. F. S. Como contingência, limitaram a atuação da médica a fim de agir para salvar a vida do bebê – nenhuma das partes envolvidas tinha conhecimento de eventual alergia da criança a alguma medicação.
Compulsando detidamente os autos em fomento, com a chegada da criança ao hospital, verifica-se, claramente, que todas as diligências possíveis foram tomadas pela médica e sua equipe. Heroicamente, tentou o acesso venoso na criança repetidamente, de forma que, não obtendo sucesso a equipe, decidiu a médica pela aplicação subcutânea e intramuscular. Nesse meio tempo, a criança foi entubada, apresentou muita secreção e precisou ser drenada. Após parada cardiorrespiratória, a médica iniciou as manobras para reanimar a criança, todavia, infelizmente, sem sucesso.
Pelos relatos contidos no processo, a situação da vítima era de tal intensidade que pouco poderia ser feito. O quadro do paciente evoluiu de uma maneira que não houve tempo para outras aplicações de adrenalina, como frisado pela técnica do Ministério Público, mesmo porque, a todo o momento, foi buscado o acesso venoso, segundo declaração da própria médica. Fato é que, na existência ou não de instrumento para punção intraóssea naquele hospital, há que considerar que tal elemento não pode justificar considerar a conduta da médica culposa.
Logo, o julgador reconheceu que a médica fez tudo que estava ao seu alcance para salvaguardar a vida da criança, de maneira que o juiz sentenciante não constatou o nexo causal, advindo a improcedência da denúncia e culminando na absolvição da médica C. V. A. A. C. das disposições do artigo 121, §§ 3º e 4º, combinado com o artigo 13, § 2º, alínea “a”, ambos do CP, com fundamento no artigo 386, incisos VI, parte final, e VII, do Código de Processo Penal (CPP), Decreto-Lei n.º 3.689, de 03 de outubro de 1941.
Não satisfeito com a entrega da prestação jurisdicional, o Ministério Público do Estado do Paraná recorreu da sentença absolutória, sendo suas razões repelidas pelos desembargadores da 1ª Câmara Criminal, do Tribunal de Justiça Paranaense. Ao julgarem o recurso de apelação n.º 1.604.735-7, o relator, desembargador Antonio Loyola Vieira, registrou, em seu voto, que, em pesem os argumentos sustentados nas razões recursais, bem como a compreensível irresignação dos recorrentes, verificou que a sentença absolutória deve ser mantida.
Conforme bem assinalado pelo Juiz sentenciante, “o resultado observado é uma fatalidade que entristece este Juízo e consiste num sofrimento sem dimensão aos familiares envolvidos, sentimento ao qual se presta agora respeito. Todavia, o objeto desta relação processual é apurar se cabe responsabilização penal à acusada Cristina Valéria Almeida de Azevedo Constâncio, em razão de sua conduta no atendimento à vítima, e não encontrar a qualquer custo responsável pelo triste resultado observado.
Pois bem.
Com base nos elementos fornecidos nos autos, discorda-se aqui a respeito de aventada negligência por parte da Acusada.
Logo, mesmo o Ministério Público requerendo a todo custo a condenação da médica, o Tribunal de Justiça considerou totalmente inviável a condenação dela, pois não restou demonstrando o nexo causal entre sua conduta e a morte da suposta vítima, mantendo-se a sentença londrinense e deixando claro que o Direito Penal não é para “encontrar a qualquer custo, responsável pelo triste resultado (morte)”.
5. A CULPABILIDADE
Indubitavelmente, é possível perceber que, no estudo de caso apresentado, seja na esfera cível ou na criminal, a culpabilidade está ligada ao nexo causal entre a conduta e o resultado. Entretanto, oportuno conceituarmos as culpabilidades formal e material.
Para René Ariel Dotti (Ibid., p. 445), a culpabilidade formal consiste em:
Na reprovabilidade pela formação da vontade (Jes-CHEK, Tratado, vol. I, p. 559). Para Cerezo Mir, “la culpabilidad é culpabilidad de la colundad. Se le reprocha al sujeto que haya adoptado la resolución de voluntad de llevar a cabo la acción (u omisión) típica y antijurídica, em lugar de haber adoptado una resolución de voluntad diferente, de acuerdo con las exigencias del ordenamiento jurídico” (Derecho Penal, p. 883). “Enquanto a ilicitude é um juízo de desvalor sobre um fato típico, a culpabilidade é um juízo de censura ou de reprovação pessoal endereçado ao agente por não ter agido conforme a norma, quando podia fazê-lo (poder do agente/resolução de vontade)” (Prado, Cruso, p. 464).
Em outras palavras, pode-se também dizer que a culpabilidade é a reprovabilidade de um fato típico e ilícito, quando o seu autor, na situação concreta, podia sujeitar-se aos comandos e às proibições do Direito (Cury, Derecho Penal, II, p. 7). Isso significa que o agente é censurado pela adoção de uma conduta contrária ao Direito, quando podia e devia agir de modo diverso.
Todavia, para Dotti (Ibid., p. 445/446), o conceito material de culpabilidade:
Deve ser coerente com o conceito de ser humano que inspira o texto constitucional. A Carta brasileira se funda em uma concepção do homem como pessoa, como ser responsável, capaz de autodeterminação segundo critérios normativos. (…) Trata-se de alicerçar, em termos substanciais, a culpabilidade no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, considerando-a como ser livre e responsável, valores imanentes à sociedade democrática” (Curso, vol. 1, p. 477).
Uma vez conceituada a culpabilidade nas modalidades acima descritas, existem asexclusões de ilicitude (da culpabilidade), quais sejam: legítima defesa; exercício de um direito; cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade; e o consentimento do titular do interesse jurídico lesado.
Todavia, o que interessa para o presente trabalho são justamente as causas supralegais de justificação – não descritas em lei –, como veremos a seguir.
6. A IMPREVISIBILIDADE DA REAÇÃO DO ORGANISMO, ÁLEA DA ATIVIDADE MÉDICA, COMO CAUSA SUPRA LEGAL DE JUSTIFICAÇÃO – EXCLUSÃO DE ILICITUDE
Bem, após percorrermos alguns princípios, conceitos e caso prático para podermos discutir a álea médica como excludente de nexo causalidade e como forma supra legal de justificação para a exclusão de ilicitude – descrita no artigo art. 121, §§ 3º e 4º, combinado com o art. 13, § 2º, “a”, ambos do CP (homicídio culposo) – por ato médico, podemos enfrentar o tema com propriedade.
Dispõem os artigos:
Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
Homicídio culposo
§ 3º Se o homicídio é culposo:
Pena – detenção, de um a três anos.
Aumento de pena
§ 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.
Relação de causalidade
Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Relevância da omissão
§ 2º – A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
Portanto, havendo a demonstração do nexo de causalidade com a conduta – ato médico realizado – e o resultado – morte –, o médico poderá responder por homicídio culposo. Até aí, não inovamos e não constatamos divergência na doutrina e na jurisprudência.
No entanto, a teoria da imprevisão da resposta biológica, ante a característica biológica de cada pessoa e tendo por base seu metabolismo, a nosso ver, apresenta-se como legítima causa supralegal de excludente de ilicitude – do crime de homicídio culposo –, haja vista que,atualmente, é impossível prever quais serão as consequências de um tratamento.
Veja, como apontado pelo professor Ivo Antônio Vieira ao proferir aula na pós-graduação da Universidade Corporativa da Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética (Anadem), no segundo semestre do ano de 2021, o mesmo medicamento pode curar, manter o quadro clínico inalterado ou mesmo agravá-lo e levar o indivíduo à morte. Entre outras palavras, o mesmo medicamento pode agir de maneira diversa em cada indivíduo.
Sendo o homicídio culposo um tipo aberto, podemos afirmar que:
Tipos abertos no sentido já anteriormente assinalado de que uma característica do tipo de injusto deve ser complementada por via judicial ou doutrinária. Isto não implica qualquer lesão ao princípio da legalidade, de vez que a própria natureza das coisas impede que se possam descrever com maior exatidão na lei todos os comportamentos negligentes suscetíveis de ocorrer ou realizar-se (CONDE, Francisco Muñoz apud GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2008, p. 206).
Então, por um silogismo elementar, todo homicídio culposo dependerá de complementação judicial para analisar o nexo de causalidade – negligência, imprudência e imperícia do ato médico –, para autorizar a ação penal e, posteriormente, eventual condenação– como vimos nos tópicos acima.
Leciona René Ariel Dotti (Ibid., p. 526) que:
Apesar do CP não conter disposição semelhante à norma do art. 31 do diploma português, a doutrina e a jurisprudência orientam-se no sentido de admitir a existência de hipóteses que, embora não previstas diretamente no rol das causas indicadas pelo CP, devem ser reconhecidas para se excluir a ilicitude do fato. Em tal sentido é a lição de Silva Franco: “A ausência de uma explícita regra geral não impede, contudo, o reconhecimento de causas excludentes de ilicitude fora do rol legal (como, por exemplo, o consentimento do titular do direito, o direito de correção dos mestres, fundada no direito consuetudinário, o estado de necessidade do direito civil, o direito de informação, etc.)” (Código Penal, p. 341). Este é também o entendimento de Toledo, ao sustentar que as causas de justificação, ou normas permissivas, não se restringem a uma estreita concepção positivista do Direito, às hipóteses que, “sem limitações legalistas, derivam necessariamente do direito e de suas fontes. Além disso, como não pode o legislador prever todas a mutações das condições materiais e dos valores ético-sociais, a criação de novas causas de justificação, ainda não traduzidas em lei, torna-se uma imperiosa necessidade para a correta e justa aplicação da lei penal (Princípios, p. 171).
Sendo assim, podemos afirmar, categoricamente, que todo homicídio culposo dependerá de complementação judicial para, após detida análise do caso (nexo de causalidade – negligência, imprudência e imperícia do ato médico), autorizar uma condenação.
Nesse mesmo sentido (Ibid., p. 466), lecionou:
Em todas as hipóteses dos tipos penais abertos, o preenchimento da tipicidade depende do reconhecimento, feito pelo juiz, de que a conduta (ação ou omissão) desobedeceu os deveres objetivos de cautela impostos pela vida comunitária nas variadas formas de atividade humana. Muito apropriadamente, Ferrajoli comenta que, em tais hipóteses, existem “spazi di discrezionalità della verità politica gli spazi d’incertezza aperti in varia misura dall’indecidibilità della vertà processuale”. Tais espaços não dependem (como ele mesmo esclarece) da vontade do juiz, mas da inexistência ou insuficiente satisfação da regra semântica na qual se exprime o princípio da legalidade estrita. Assim ocorre pela presença, na lei, “di espressioni indeterminate o di antinomie semantiche e dalla conseguente inverificabilità dele denotazione penali dei presupposti dele decisioni” (Diritto e ragione, p. 151).
Entretanto, uma coisa é certa: o erro médico difere do resultado adverso, pois, mesmo empregando todos os recursos disponíveis, o profissional pode não obter o resultado pretendido ante a imprevisibilidade biológica de cada organismo. Mesmo aplicando os mesmos processos terapêuticos em doenças distintas, seguindo o mesmo protocolo à risca, os resultados serão imprevisíveis. Até mesmo porque não se conhece dois seres humanosidênticos.
Porém, como bem afirmou o eminente professor Ivo Antônio Vieira ao proferir aula na pós-graduação da Universidade Corporativa da Anadem “a resposta terapêutica dependerá muito mais do paciente e sua estrutura do que da terapia instituída”.
Desse modo, seguindo o médico, em seu ato, à risca o protocolo descrito na literatura médica, caso o paciente evolua a óbito pela imprevisibilidade do resultado, tratar-se-á de causa supralegal de justificação, excluindo a ilicitude descrita no art. 121, §§ 3º e 4º, combinado com o art. 13, § 2º, “a”, ambos do CP (homicídio culposo), vedando a condenação do médico por seu ato profissional.
7. NOTAS CONCLUSIVAS
Logo, em sede de conclusão, constatamos que o Direito Penal é para ser aplicado em casos graves e não em qualquer ato ilícito praticado por alguém, ante os princípios da intervenção mínima, da fragmentariedade, da intervenção mínima (subsidiariedade) e da proporcionalidade. Os ilícitos que não deveriam alcançar o Direito Penal podem serresolvidos, mas aplicando os outros ramos o direito – administrativo, civil, tributário, etc. –como forma de sancioná-los ou mesmo coibi-los.
Também, restou demonstrado que o Direito Civil e o Direito Criminal têm um relacionamento íntimo quando o assunto é a responsabilização do médico por ato realizado no exercício da profissão, ante a necessidade de ser demonstrado o nexo de causalidade – entre a conduta e o resultado – no âmbito cível – imprudência, negligência e imperícia – ou mesmo no criminal, devido ao homicídio culposo ser uma norma penal aberta, como demostrado no caso prático.
Além das modalidades de exclusão de ilicitude (da culpabilidade) consagradas em lei, na doutrina e na jurisprudência, existem as causas supralegais de justificação – aquelas não descritas em lei –, sendo uma delas a imprevisibilidade da reação do organismo – Álea.
Destarte, o médico, em seu ato, percorrendo rigorosamente o protocolo descrito na literatura médica, ante a imprevisibilidade do resultado do organismo do paciente, caso o paciente venha a óbito por motivos alheios à técnica empregada – sua vontade –, tratar-se-áde causa supralegal de justificação, excluindo a ilicitude descrita no art. 121, §§ 3º e 4º, combinado com o art. 13, § 2º, “a”, ambos do CP (homicídio culposo).
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